domingo, 29 de junho de 2008

Os ilusionistas

Para começar, o que é o pensamento?
O pensamento é o processo de associação de ideias, com base num conhecimento pré-existente. Relaciona ideias com base num conjunto de pressupostos (crenças, valores, etc.). Esse conhecimento é forjado pela educação, pela cultura, pelas regras e padrões sociais, e define a forma como pensamos. O pensamento nunca é livre e nunca é objectivo, é extremamente rígido. Acaba por ser uma fenómeno de associação de ideias que não é nosso, mas sim do resultado 'evolutivo' de um embate de ideias ao longo da presença do Homo Sapiens Sapiens no oasis terrestre.
As fronteiras do pensamento definem as fronteiras do comportamento e as fronteiras da vida (ou antes, da nossa visão da vida), e esse modelo imposto do exterior limita a forma como experienciamos a realidade, de uma forma que faz surgir um fosso abismal entre a essência da realidade e essa rede complexa que forma aquilo que julgamos ser a nossa identidade (aquilo a que Kant chamaria de incognoscibilidade do real).
O pensamento não é a nossa identidade, não somos nós, é apenas o repositório de todo o lixo e entulho incutido pela chamada educação, que acaba por ser uma deseducação que impões limites ao nosso espírito. David Hume estava certo quando disse que o sentimento de Eu derivado das ideias (da sua associação) é um sentimento ilusório, pois a nossa verdadeira identidade é a nossa essência imutável, a consciência que se mantém desde que surge o primeiro sopro de vida dentro de nós até o suspiro do relaxamento final.
A sociedade pensa através de nós, e esse fenómeno compulsivo e constante de pensamento leva à criação duma identificação muito sólida e enraizada com esse mesmo pensamento, que nos leva a olhar tudo o que nos rodeia através desse prisma socialmente condicionado: olhamos tudo através dos valores instituídos. A nossa relação com os outros torna-se uma constante comparação entre tudo o que nos rodeia e aquilo que a sociedade tem definido como 'bom' ou 'mau'. E isto leva a que não consigamos experienciar nada directamente e de forma pura, nem aceitar e valorizar as coisas pelo que são, em vez de as avaliar pela distância a que se encontram do que está definido como 'certo' - está é a grande consequência da tirania do pensamento ao nível da qualidade da nossa experiência.
À nossa volta tudo é belo e tem um valor intrínseco, e não podemos detectar esse valor se estivermos sempre a comparar com algo (com outra pessoa, com um ideal, etc.). E o pensamento é a névoa vinda da sociedade que deturpa a nossa percepção e leva a esse afastamento da beleza da vida. Mas a raiz dessa influência negativa não vem, em última instância, da sociedade. E porquê? Porque a sociedade não existe, é apenas um conceito abstracto sem concretização material.
Esse problema tem a sua origem na própria mente e no próprio pensamento. Este, por ser automático e condicionado pela experiência, assume o controlo da nossa vida (percepções e acções) de forma inconsciente (não num nível inconsciente inacessível, mas num nível quase consciente). A única forma de ultrapassarmos este problema da existência humana é através do autoconhecimento e da consciencialização desses processos automáticos. A chave está na compreensão do nosso pensamento, no conhecimento da nossa mente, e na transcendência dessa mesma mente e desse pensamento.
Quando partimos do inconsciente rumo à consciência, a névoa do pensamento dissipa à medida que é compreendida... E aí há a hipótese de se conseguir um relance da vida e da realidade. Aí podemos começar a ver as coisas cada vez mais como são, e cada vez menos como 'deviam ser'.