quinta-feira, 27 de dezembro de 2007

Sleeping Buddha...

A palavra Buda representa mais do que uma pessoa, representa um estado. Um estado mental, de consciência, espiritual, isso agora cabe a cada um interpretar, dependendo das suas crenças. Siddartha Gautama é o nome do príncipe que abandonou tudo o que possuia por uma busca espiritual, pela busca de si mesmo. Após 6 anos de busca, ao início através da prática de ioga e do ascetismo extremo (prática da renúncia ao prazer, muitas vezes às necessidades mais básicas), e mais tarde através da meditação e do auto-conhecimento, compreendeu a essência das coisas, a origem da infelicidade humana, e ficou iluminado, enquando se encontrava sentado debaixo de uma árvore Bodhi. Após ter atingido este estado superior de consciência, este Buda começou a propagar a meditação, o auto-conhecimento, a compaixão, como forma de escape dos males do mundo, e foi assim que surgiu a 'religião' budista. O budismo expandiu gradualmente, dentro da própria Índia, onde surgiu, e para inúmeros países da Ásia, entre os quais a China, o Tibete, o Japão (onde deu origem à conhecida escola Zen), e a cultura da busca de si próprio, do conhecimento interior, expandiu no Oriente, ao contrário do Ocidente, este sempre vocacionado para a cultura do exterior.
Mas este fenómeno de busca de si próprio não é um fenómeno budista, é um fenómeno potencialmente humano. O estado de nirvana é apenas uma palavra atribuída ao fenómeno que potencialmente está ao alcance de qualquer ser humano. A palavra Buda é apenas a palavra atribuída pelo budistas a alguem que atingiu iluminação, ou o estado de nirvana.
A palavra Buddha vem do sanscrito (língua clássica da Índia antiga, que pode ser equiparada ao Latim) e significa desperto. E desperto porque? Porque digamos que nós, apesar de não estarmos a dormir mais do que as necessárias horas de sono, passamos as restantes horas da nossa vida num estado semi-acordado. Esse estado é caracterizado pelo pensamento compulsivo, pelo condicionamento social, pela automatização das nossas acções, pela distorção da nossa percepção pelo passado, e pela constante busca de algo no futuro.

Pensamento compulsivo porque nunca aprendemos a parar de pensar, e o fio de pensamento prolonga-se desde que acordamos até que nos voltamos a deitar, para então continuar nos sonhos. Não será necessário dizer que esse tipo de pensamento nos distrai do que se passa à nossa volta, e é o grande criador dos nossos pseudo-problemas.

O condicionamento social consiste na formatação por parte da sociedade, que faz com que pensemos e ajamos de forma padronizada e estipulada pelo meio onde nos inserimos. Não pensamos e agimos de acordo connosco, mas de acordo com a sociedade, e portanto não somos livres nos nossos pensamentos e acções.

A automatização das nossas acções é um fenómeno que acontece quando já dominamos satisfatoriamente uma acção, passamos a fazê-la automáticamente, e ao mesmo tempo que a executamos dedicamos uma parte da nossa atenção ao pensamento compulsivo. Isto impede-nos de apreciar a tarefa pela tarefa, e torna difícil a melhoria da execução da tarefa.

A distorção da nossa percepção pelo passado baseia-se no facto de aquilo que vemos, e a forma como compreendemos a realidade, que irá determinar as nossas acções, é extremamente condicionada pelo nosso conhecimento e pelas nossas experiências do passado. O nirvana representa um estado em que a mente está calma, e morre para o passado, concentrando-se totalmente e apenas no presente. Daí dizer-se que o nirvana é um regresso à inocência, em que o nosso olhar se torna puro e inocente como o de uma criança, pois não está condicionado pela memória. Isto possibilita uma verdadeira comunicação e um verdadeiro relacionamento com tudo o que nos rodeia, pois deixamos de olhar através de uma lente distorcida pelo passado, e vemos de uma forma límpida o que nos rodeia.

A busca de algo no futuro consiste no constante pensamento em algo no futuro, algo que receamos ou algo que pretendemos alcançar. O receio de possíveis acontecimentos futuros representa grande parte das nossas preocupações e pseudo-problemas, e se nos focarmos totalmente no presente será concerteza a melhor forma de cultivar um futuro pleno. O anseio por algo no futuro é o maior factor gerador de stress e ansiedade, e coloca-nos numa roda viva de busca de algo exterior para satisfazer o nosso ser. Um dos pontos fundamentais da demanda espiritual é o abandono da busca compulsiva, quando se atinge uma verdadeira compreensão da futilidade da mesma.

E quando, através da meditação e do auto-conhecimento profundo, nos conseguimos focar totalmente no momento presente, sem pensamentos sobre o passado ou o futuro, isso é o nirvana. Quando ultrapassamos todo o tipo de sentimentos que causam divisão entre o presente e o passado ou futuro, isso é o nirvana. Quando conseguimos manter uma mente silenciosa, e sensível a tudo à sua volta, e conseguimos dedicar todo o nosso ser a cada tarefa que nos propomos executar, isso é o nirvana. Quando cada momento é novo para nós, e o abordamos de forma incondicionada... isso é o estado de Buda. E a isso chama-se estar desperto.
O estado de Buda não é nada de sobrenatural, é apenas um estado de atenção total, em que somos nós próprios e totalmente verdadeiros. Esse é um estado que está mais perto de nós do que pensamos. No fundo somos todos Budas... mas o reflexo do nosso espelho parece estar coberto pelo pó do pensamento compulsivo e do condicionamento social, abafando a pureza do nosso ser.
Todos nós somos Budas adormecidos, aprisionados... mas mais grave que tudo, inconscientes, pois não nos apercebemos de que estamos a dormir, e não nos consciencializamos das nossas prisões. No fundo, é tudo uma questão de consciência... quando nos tornamos verdadeiramente conscientes de nós e do que nos limita, a armadura cai e o Buda acorda de um sono que durou anos... e sente pela primeira vez o sabor da vida, o aroma da liberdade.

sábado, 22 de dezembro de 2007

Observar: a cura para a infelicidade

Quanto mais conscientes de nós próprios nos tornamos, mais autónomos nos tornamos. Quanto mais nos apercebemos das prisões e da falsidade em que vivemos, mais livres e genuínos nos tornamos. Um louco que de repente se apercebe da sua insanidade fica são, e da mesma forma quando nos apercebemos da insanidade em que vivemos as nossas vidas, elas transformam-se para nunca mais voltarem a ser as mesmas. E quando nos afastamos dessa insanidade, desse aprisionamento, mais clara é a nossa visão dela. Quanto menos nos identificamos com a falsidade em que vivíamos, melhor a reconhecemos nos outros.
Quando nos tornamos mais conscientes, tornamo-nos menos condicionados, e o condicionamento nos outros torna-se transparente aos nossos olhos. No entanto, esse condicionamento fica muitas vezes além dos horizontes daqueles que não se conhecem, que não são conscientes acerca de si próprios. Expor alguem ao seu próprio condicionamento é uma tarefa infrutífera, pois a consciência só advém da nossa compreensão dos fenómenos.
Quanto mais observamos e compreendemos profundamente a falsidade e o medo em que está imerso o mundo, mais se torna impensável para nós participar nessa tragédia. Temos medo do passado, medo do futuro, medo de nós próprios, medo dos outros, mas estes medos não são claros para quem permanece ignorante acerca de si próprio. Vivemos sobre o manto do olhar dos outros, usando máscaras e armaduras, mais uma vez devido ao medo que nos habita. Quando isto se torna claro para nós, torna-se também inaceitável, e partimos em busca da liberdade e da autenticidade.

sexta-feira, 21 de dezembro de 2007

Closer to reality

Quando duas chamas de consciência se tocam, gera-se uma chama tão intensamente brilhante, maior que a soma das duas... e a chama não volta a ser a mesma... possui em si um toque da outra, possui uma nova qualidade... uma qualidade partilhada de compreensão da vida.
Consciência atrai consciência e contagia com consciência... e o mundo não volta a ser o mesmo.

quinta-feira, 20 de dezembro de 2007

Quem sou eu?

Em que consiste a felicidade? A felicidade é o derradeiro estado de espírito, em que todas as nuvens se afastam, e o brilho dos raios solares invade o nosso céu interior. E essas nuvens nada mais são que pensamentos e interpretações. Apenas o que possamos pensar acerca da vida ou a forma como interpretamos o que nos rodeia determina a infelicidade. Em última instância, a felicidade é sempre uma decisão nossa. Isso não invalida, no entanto, que os factores externos possam influenciar essa busca da felicidade, tornando-a mais fácil ou mais difícil. Se a nossa envolvente é um turbilhão de energias negativas, ou se consiste em acontecimentos que se opõem àqueles que fomos formatados para acreditar que são os nossos ideais, é necessária uma maior força interior para atingirmos a felicidade. Se tivermos uma envolvente propícia ao bem estar, será mais fácil atingirmos esse estado de equilíbrio interior. Mas volto a repetir: em última instância, a felicidade depende sempre da nossa forma de abordar ou interpretar o que nos rodeia, é uma harmonia e uma paz interior de uma fragilidade sólida, de uma delicadeza robusta, de uma sensibilidade impenetrável.
Disto conclui-se o óbvio: uma pessoa que consiga criar um contexto externo adequado ao seu ser, conseguirá mais facilmente atingir a felicidade. MAS nunca atingirá a felicidade total se descurar o seu mundo interior. Por mais fértil que seja o terreno, e por mais que se regue, e por mais que o sol brilhe, a flor nunca vai florescer se não plantarmos a semente. E a semente, no nosso caso, é o auto-conhecimento. Mas não um auto-conhecimento crítico/opressivo. Se ao ganharmos maior conhecimento de nós próprios formos julgando e reprimindo aquilo que julgamos errado... Se formos recalcando aquilo que, segundo as ideias da sociedade, está incorrecto, estaremos não só a negar uma parte de nós, mas pior, estaremos a varrer o pó para debaixo do tapete. O chão nunca ficará limpo desta forma. A sujidade continua lá, mas escondida. A repressão é uma barragem que cede mais cedo ou mais tarde, e que nos priva da nossa felicidade a um nível mais imediato e mais profundo do que pensamos. Esconder partes de nós debaixo do tapete do inconsciente apenas fará com que essas mesmas partes venham à superfície sob outra forma.
Portanto, o verdadeiro auto-conhecimento é livre de julgamento, e assim livre de repressão. O verdadeiro auto-conhecimento tem como outra face uma profunda aceitação. Mas não uma aceitação passiva, e sim uma aceitação construtiva. Construírmos os alicerces da nossa força sob um pântano, fará com que esta não seja estável, e não seja verdadeiramente forte. Se reprimirmos as nossas falhas e fraquezas, se as negarmos, nunca poderemos melhorar. Temos de olhar de frente os nossos defeitos, aceitá-los, e então nessa base de aceitação poderemos construir algo de belo, algo com raizes profundas.
Quando deixamos de reprimir facetas do nosso ser, sentimo-nos flutuar. Quando começamos a deixar transparecer quem realmente somos, começamos a sentir os primeiros aromas de liberdade.
E mais importante que tudo: se acreditarmos que já sabemos tudo, pararemos de aprender. Temos de nos limitar a uma sábia ignorância, e nos manter permanentemente abertos ao crescimento, e o mesmo se aplica ao conhecimento de nós próprios. Por isso, se à partida julgarmos saber muito sobre nós próprios, especiamente sobre os nossos defeitos, estaremos a fechar as portas de um auto-conhecimento mais profundo, porque o poço da melhoria é muito, muito fundo. Se acharmos que nos conhecemos bem, provavelmente sabemos muito menos do que pensamos. Quando deixamos de ser presunçosos e nos abrimos a mais descoberta, começa a jorrar a fonte do auto-conhecimento duma forma surpreendente. E essa será a semente que germinará em felicidade, pois como poderemos ser nós próprios e genuínos se não nos conhecermos? E como poderemos ser felizes se nos traírmos a nós próprios, abandonando o prazer de ser para usar uma máscara?
A vida é um rio de auto-descoberta. Aqueles que se perderem na margem morrerão sem avistar o mar.

segunda-feira, 10 de dezembro de 2007

Dia internacional da utopia

Hoje comemoro o dia em que um grupo de pessoas decidiu, em homenagem à dignidade e aos direitos inerentes a todos os seres humanos, e com vista a promover a paz e a justiça no mundo, criaram a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948). Deixo à reflexão de quem decidir dar uma vista de olhos neste tratado humano.
E agora um minuto de silêncio por todos aqueles que, sendo seres humanos como qualquer um de nós, com direito à sua dignidade e à sua busca de felicidade, tal como nós, sofrem todos os dias, por opressões e censuras, quer sejam a nível político, religioso, ou individual, dentro de diversas sociedades, quer seja entre povos diferentes, a um nível mais profundo de falta de solidariedade e fraternidade, e de imensa desigualdade.
A vós, irmãos...

domingo, 9 de dezembro de 2007

A lâmpada fundida

A solução para a transformação interior, que nos torna independentes do exterior está na consciência. Esta consciência é a qualidade que nos permite estabilizar o nosso interior, através de um contacto profundo, e isso reflectir-se-á no nosso exterior, na nossa vida. Um interior puro e sereno aborda a vida de forma pura e totalmente serena.
E o que é essa consciência? Mais um conceito abstracto e, como tal, de definição controversa. Para alguns o estado de consciência é um estado de atenção, de observação do momento presente, sem nos deixarmos alienar por perturbações mentais muitas vezes originadas em imaginações passadas ou futuras. Esta atenção totalmente consciente não se foca apenas no que nos rodeia, mas também a nós próprios.
Na consciência de nós próprios e na nossa aceitação total de tudo em nós, sem repressão dos aspectos negativos, encontra-se a base da criação de um bem estar na nossa relação connosco próprios. E isso não é possível enquanto não temos a capacidade de estarmos a sós connosco, quando o nosso estado é um constante aborrecimento e dependência permanente do exterior.

Tive o prazer de ler um excerto de um livro do Arno Gruen, que se chama "A traição do Eu", onde é referido exactamente isso: que somos demasiado dependentes de estímulos exteriores, por vivermos numa cultura "fast" e sociedade fast. Que somos bombardeados por estímulos externos de satisfação rápida, o que nos impede de criarmos um mundo interior, onde nos relacionamos connosco, e interagimos constantemente e profundamente com os nossos sentimentos.
Optamos pelo mais rápido e fácil, e é isso que nos destroi. Esse constante bombardeamento de estímulos superficiais que nos fazem sentir vivos, no fundo conscientes, mantém a nossa atenção no exterior, negligenciando o nosso interior, e tornado-nos verdadeiros fast addicts. O fugir de nós, das nossas insatisfações e medos mais profundos, não só não é uma solução, como gradualmente destabiliza a nossa harmonia. Temos de olhar para dentro, olhar com olhos de ver, ver e aceitar tudo em nós, mesmo os medos e "fraquezas", e só aí se poderá começar a construir um templo interior de culto da paz.
No estado em que nos encontramos actualmente acabamos por ser computadores, e o teclado e o rato estão nas mãos de um conceito abstracto chamado de sociedade. Mas no fundo, a sociedade é formada por nós, e apenas nos dá aquilo que queremos. O mesmo se passa com a religião e a política. Apenas nos fornecem a segurança ou pseudo-segurança que procuramos. Só vendem o produto que o consumidor procura, é uma questão de puro marketing. Antes de criticarmos padres e políticos por nos manipularem, devemos criticar as pessoas que inconscientemente pedem para serem manipuladas. Mas além de qualquer crítica, devemos a um nível mais fundamental olhar para nós e tranformarmo-nos, de forma a deixarmos de contribuir para essa inconsciência colectiva.

sexta-feira, 7 de dezembro de 2007

Beco sem saída

Problemas...
Temos tantos problemas, tantas preocupações e tanto sofrimento. A vida é difícil, apresenta-nos tantas dificuldades e contratempos. Vivemos num estado constante de sacrifício do presente, partilhando esperanças de encontrar a felicidade no futuro. Mas quando o futuro se torna presente, vemos que a felicidade se voltou a distanciar para um futuro distante. Conformo-me com a minha infelicidade agora, sofro, para que no futuro consiga ter tudo o que me vai trazer felicidade. O futuro chega e transforma-se em presente... e atingimos a felicidade? Ou continuamos infelizes, com problemas e preocupações, e adiamos a felicidade para outro momento futuro? Parece-me que seja mais a segunda hipótese.
Quando tiver o meu emprego e um rendimento estável... aí sim vou ser feliz e os meus problemas e preocupações vão desaparecer. Ou será quando atingir um patamar elevado de poder, prestígio? Ou quando tiver todo o dinheiro e bens materiais que julgo serem suficientes?
Julgamos que as pessoas são infelizes devido à sua situação de vida, julgamos que os nossos problemas são o resultado das nossas circunstâncias de vida. Vamos analisar isto: uma pessoa pobre tem problemas... uma pessoa rica também... uma pessoa que faça aquilo que gosta profissionalmente também... pelos vistos TODA a gente tem problemas! Ou não? O mais provável é que qualquer um de nós, mesmo que visse todos os seus desejos realizarem-se, continuasse a ter problemas, e a sentir que faltava algo para a sua realização.
Então sendo assim, não será lógico que a origem dos nossos problemas não se deve às circunstâncias da nossa vida? Se todas as circunstâncias diferentes têm problemas associados, o mais provável é que assim seja. Então qual será a raiz dos nossos problemas? Não é muito difícil encontrar uma pessoa cuja situação de vida seja mais pobre exteriormente, e que seja mais feliz que outras com uma vida exterior rica. O que me parece, após estas considerações, é que a felicidade é algo interior.
Segundo vejo, o verdadeiro problema somos nós. O verdadeiro problema é o nosso desiquilíbrio interior, turbulência e desarmonia interior, que originam a infelicidade que tanto abunda no nosso mundo. E obviamente que essa infelicidade interior se reflecte no exterior. Ou seja, os nossos "problemas" são apenas consequências da nossa desarmonia interior!
Então não será lógico e racional deixar de procurar remediar a nossa vida através de mudanças no exterior? Se a causa dos problemas é interior, porque tentar resolvê-la através de constantes "melhorias" do nosso mundo exterior? Talvez o ganho de poder, prestígio, dinheiro, e todo o tipo de bens materiais faça parte de uma busca sem fim e infrutífera. Se assim é, porque não orientarmo-nos para resolver os problemas na sua origem, transformando o nosso interior, de forma a que, independentemente da nossa situação de vida, sejamos felizes.
O epicentro deste terramoto somos nós. Os nossos chamados problemas são o hipocentro, ou seja, um simples reflexo superficial do que se passa a níveis mais profundos, dentro de nós. Se o alicerce de um edifício está mal construído, por melhor que seja a sua estrutura superior, nunca será verdadeiramente estável. A mudança eficaz deve ser profunda, deve ser na origem.
Então, se a origem dos nossos problemas somos nós, até que ponto podemos considerar reais esses mesmos problemas?

terça-feira, 4 de dezembro de 2007

Jingle Bells

Vou permitir a mim próprio, apesar de não ser católico, nem religioso... intrometer-me numa das tradições cristãs, e enviar uma carta ao barbudo que se vendeu à coca-cola.
Caro traidor, este ano gostaria de encontrar algumas coisas na minha meia pendurada na lareira. Não tenho lareira, e se tivesse nunca seria um local onde penduraria meias... mas continuando:
Há coisas que gostaria que mudassem.
Sou uma pessoa que não se chateia por ter como valor máximo a tolerância. Tolero o que vai contra a minha perspectiva pessoal do mundo que me rodeia. Tolero mesmo tudo aquilo que não compreendo, pois quem sou eu para sobrevalorizar o meu insignificante mundinho psíquico pessoal, em detrimento dos mundinhos dos outros. Devo aceitar e respeitar tudo o que faz sentido para quem quer que seja. Da mesma forma que tento aceitar todas as circunstâncias com que me deparo, sem criar resistência à realidade, e consequentemente sem criar nenhum tipo de conflito ou desarmonia interior.
No entanto, e apesar do que muitos pensam, aceitação não é letargia, não é cegueira, não é passividade extrema. Uma coisa é respeitar as coisas pelo que são, e outra coisa é ser acrítico. Tenho uma opinião pessoal que exprimo e espero que seja respeitada assim como valorizo as dos outros. Sou feliz, vivo satisfeito de forma quase permanente, no entanto, e obviamente, há coisas que poderiam mudar para melhor, na minha opinião.
Portanto vê lá se desencantas o seguinte, e não te esqueces de trazer da próxima vez que passares na minha chaminé. E mais uma vez, não tenho chaminé.

Quero um mundo em que as pessoas deixem de viver centradas no seu ego. Copérnico já há muito tempo que desenvolveu a sua teoria heliocêntrica, por isso desejo um mundo em que as pessoas abram os olhos. Um mundo em que consigam enxergar o horizonte para além da ponta do seu nariz. Somos 6 biliões, num minúsculo planeta comparado com a imensidão do universo... e quase todos desses 6 biliões se consideram o centro do universo.

Quero um mundo em que as pessoas consigam sair da sua esfera pessoal de percepção do que as rodeia, e consigam olhar o mundo de forma mais objectiva, clara, contextualizada, mais complexa e também mais simples. Que consigam sair de si, colocar-se no lugar dos outros e compreender verdadeiramente o outro ser. Mas não na teoria, e sim na prática. Na prática, quando temos tendência para nos chatearmos com alguem por algo que fez, por exemplo. De dentro da nossa casa no vale não sabemos o que é o vale, por isso mais vale estarmos calados... quando escalamos cada uma das montanhas que circundam o vale, e obtemos diversas perspectivas, diferentes da nossa original, sobre o vale, aí sim subimos na escala da razão e crescemos como seres Humanos com H maiúsculo.

Quero um mundo onde as pessoas se ouçam umas às outras. E na base desta necessidade está mais uma vez o egocentrismo. Como diria Martin Luther King "I have a dream"... eu sonhei com um mundo onde as pessoas deixam de pensar só em si, e de falar só de si, e de avaliar tudo em função de si. Sonhei com um mundo onde as pessoas se importam realmente com o que os outros pensam e sentem. Será pedir demais? Provavelmente... mas até que morra a última sogra, continuarei a ter esperança!

Contribuam para a abolição de todas as fronteiras, em especial as fronteiras que separam o indivíduo dos seres com quem se pseudo-relaciona. Deixem de viver fechados em vós, amem-se verdadeiramente! Não falo de um amor de palavras vazias, de um amor racional, de interesse, de prazer ou de conformismo... falo de um amor verdadeiro, fluído e infinito, sem causa ou origem, e de destino indeterminado. Emana em todas as direcções, sem escolher o que atingir, nem esperar algo em retorno.

Irmão Natal... sim, irmão... porque num mundo onde somos todos iguais e todos irmãos, és mais meu irmão que meu pai. Até ver o teu cariótipo e ter provas do contrário, pelo menos. Caro irmão... não serão precisas mais palavras concerteza. Fico à espera... esperarei até que a minha "lareira" se apague...

sábado, 1 de dezembro de 2007

Transformação de consciência

Para verdadeiramente nascer para a vida, é necessária uma grande viagem interior.
É necessária uma viagem de compreensão de nós próprios. Esta viagem tem por base uma observação profunda do que se passa dentro e fora de nós: dos nossos pensamentos e emoções, dos nossos comportamentos e motivações, e de todas as barreiras que ofuscam a nossa luz inata. Esse exercício de observação, quando aprofundado, permite identificar processos imperceptíveis ao observador comum.
A observação continuada de nós próprios permite compreender o carácter mental, nas suas vertentes compulsivas, que nos impedem de gozar o momento presente, e viver profundamente. A vertente compulsiva da mente reside na falta de silêncio interior, e logo de serenidade e paz. A mente compulsiva é aquela que não cessa nem por um segundo, seguindo uma cadeia infindável de pensamentos quase sempre perfeitamente desnecessários. E só observando e compreendendo isto é possível acalmar os pensamentos, e tornar a mente um lago calmo e silencioso.
Esta compulsividade de pensar, está intimamente relacionada com a necessidade de auto-fortalecimento constante por parte do ego. Compulsividade de criar uma identidade e uma imagem social, de forma a sentir segurança e sentir-se inserido no meio social, ser aceite. Compulsividade de buscar ou ansiar por algo mais que o presente, projectando-se constantemente no futuro, fomentando uma esperança que nos desvia da única realidade: o presente. O ego precisa de uma auto-imagem, e de uma auto-imagem forte. E a mente precisa de algo que lhe dê esperança e razão para viver. Mas essa auto-ilusão distorce o nosso comportamento natural, condicionando-o, e retira-nos a capacidade de viver o presente.
Mas todos estes processos são, na maior parte das vezes, inconscientes e automáticos. E, quando através da observação, nos consciencializamos do que se passa dentro de nós, a luz da nossa consciência expulsa essa escuridão mental, e dissolve gradualmente todas essas barreiras à liberdade de ser e viver.
E essa observação faz-nos compreender que todas as barreiras à nossa liberdade são mentais, que somos condicionados e na maior parte das vezes inconscientes, que somos sonâmbulos e autómatos devido à existência de uma identidade falsa que condiciona o nosso comportamento. O ego vive do conhecimento e da experiência, ou seja do passado. Todas as suas acções são condicionados por esse passado, e tornam-se gradualmente autómaticas, o que estimula o pensamento compulsivo, e nos impede de sentir o prazer de estar vivo.
A verdadeira identidade não tem barreiras. A verdadeira identidade está centrada no presente, de forma incondicionada. Ama o presente como se não houvesse amanhã, e morre para o passado a cada momento que passa. A sua luz brilha sem nenhum tipo de amarras.

Inominável

Quem sou eu?
Uma cadeia estruturada de símbolos de raizes perdidas no tempo, estudada pela linguística e associada a um conjunto de fonemas? Mas até que ponto posso dizer que isso sou eu, se foi algo que me deram? Então é meu, não sou eu.
Nacionalidade? O que é isso? Dizem que é uma restrição a um campo delimitado por linhas imaginárias. Então se são imaginárias, que me interessa? Só prezo o que é real... Nacionalidade é resultado de guerras e conflitos, e guerras e conflitos nunca levam a bom porto. A divisão nunca gera paz, a união sim.
Temos muitos rótulos... desde relativos a ideologias políticas, religiosas, ou pseudo-pessoais, a um universo infinito de outros mais. O número de rótulos nunca acaba. Mas o rótulo é uma separação, separa o que lhe pertence do que não lhe pertence. O rótulo é um obstáculo à união, e não é definitivamente a nossa identidade. O rótulo é algo superficial que nos limita grandemente na forma de percepcionar o mundo. Os produtos no supermercado são rotulados... mas o rótulo não é o produto, é apenas uma forma de identificar o produto. Mas em relação aos seres humanos há uma ligeira gigantesca diferença: enquanto que os produtos no supermercado podem ser agrupados, pois são iguais entre si, os seres humanos não devem ser rotulados e agrupados, pois não há dois seres humanos iguais.
Então se toda a identidade que conheço se resume aos rótulos que me foram colocados desde que nasci, quem sou eu?
Se calhar não sou ninguem...
Se calhar apenas sou...
Quem sabe a minha existência não pode ser descrita por palavras
Quem sabe sou puro amor
Quem sabe sou pura energia
E o amor é essa energia
Para quê dar nomes às coisas?
As coisas não existem para serem nomeadas e pensadas
Existem para serem sentidas, para serem absorvidas
Sinto e sou
Sinto e sou feliz assim
O sol não se questiona sobre quem é, de onde vem e para onde vai...
Porque hei-de me questionar eu, se nada mais sou que o sol, e a lua, e todas as estrelas...
O êxtase da vida é deixar cair a falsa armadura, pois não há nada de que se defender...
É deixar cair a farsa do pensamento, que destroi tudo o que é...
É sentir a união com o mundo, tal qual gota de orvalho que é absorvida pelos primeiros raios de sol para voltar à origem...
É ser como o rio e fluir naturalmente para o regaço do mar, de encontro ao seu destino.
Quem sou eu?
Todas as respostas possíveis a essa pergunta destroem-me como ser. A resposta é a ausência de resposta.