domingo, 24 de junho de 2007

O puzzle criativo

A criatividade é o Evereste da inteligência humana. A inteligência não criativa lida com o conhecimento existente na base de dados mental, relacionando os conhecimentos entre si. A inteligência criativa toma por base esse mesmo conhecimento e inova, criando novas ideias e novos conhecimentos. A criatividade do intelecto é um tipo de inteligência puramente mental, racional e lógica, e é por si só uma criatividade incompleta. A criatividade intelectual complementa-se com o nosso lado emocional, o que leva a um grande evolução. O primeiro tipo de criatividade leva à vanguarda da física e da matemática, o segundo leva à poesia, à música, e a todo o tipo de artes.
Há quem defenda que possuímos algo além do corpo e da mente, uma espécie de consciência que poderá ser chamada de alma. Nós atingimos a harmonia e crescemos melhor como um todo se o fizermos de forma coesa - mente sã num corpo são -, e partindo do princípio que essa consciência "paramental", para além dos domínios da mente, realmente existe, temos também de a desenvolver, integrando-a numa tríade corpo-mente-alma.
Voltando à criatividade, e no caso de existir essa consciência que as culturas orientais defendem, na cultura budista ou zen, por exemplo, esta só atinge o seu auge quando esse estado superior de consciência é atingido. Quando o ser se completa a si próprio, quando o autoconhecimento é total e a verdadeira liberdade é atingida, a criatividade atinge o seu próprio auge, pois é um tipo de criatividade que provém de um estado de perfeita harmonia do ser humano como um todo, do perfeito equilíbrio da tríade corpo-mente-alma.
Temos de desenvolver o cerebro no seu conjunto, estimulando o cortex esquerdo e o direito com a mesma intensidade, para exponenciar o nosso intelecto, e temos de desenvolver e cuidar da nossa parte física assim como tratamos da nossa mental, para atingir uma certa harmonia como seres humanos. Da mesma forma, temos de desenvolver a terceira vertente do nosso ser para atingir a harmonia máxima e, em termos de criatividade, atingir o expoente máximo.
Quando se atinge o máximo potencial da nossa criatividade a realização é plena, pois atingimos o patamar mais alto da existência: a criação. E, acima de tudo, atingimos a criação de nós próprios, ou melhor, a capacidade de sermos nós próprios, únicos, contribuíndo obrigatóriamente com algo de diferente para este mundo.

Crítica: o cinzel do crescimento pessoal

Quando a nossa identidade é confrontada com uma crítica, muitas vezes a reacção é defensiva. O nosso "eu" sente-se ameaçado e riposta, encontrando uma explicação racional (ou julgamos nós) para os nossos pensamentos ou comportamentos. No mundo em que vivemos, no nosso ser, tudo se desenrola em função do ego, e tudo tem como propósito defende-lo de ameaças ou fortalecê-lo. O mesmo se aplica ao raciocínio, que para defender o "mestre" ego, usa todas as suas capacidades para manter a coesão do mesmo, originando muitas vezes ideias cegas, ideias fechadas ao crescimento por uma muralha construída com base num espírito não crítico e num ego fundamentalmente inseguro. A crítica abala a coesão do ego, e isto não pode ser permitido do ponto de vista do mesmo. O que o ego não compreende é que a pequena destruição originada pelo abalo crítico precede uma reconstrução que o torna mais forte e mais coeso.
Assim como Sebastião José de Carvalho e Melo transformou o terramoto de 1755 em algo benéfico, na medida em que originou uma cidade mais bonita, e uma baixa pombalina melhor estruturada, muitas vezes o crescimento necessita de uma destruição das ideias pré-estabelecidas, para que se dê a construção de outras mais fortes e coesas.
A aceitação da crítica é um elemento fundamental do desenvolvimento de um ser humano. Toda a crítica retém em si pelo menos uma pequena parte de verdade. Ainda que por vezes subjectiva, essa verdade nunca deixa de o ser, porque vivemos num mundo relativo, em que tudo o que julgamos ser incontestável e representar uma verdade absoluta é, no fundo, subjectivo.
Quando uma ideia vai na sua maior parte contra aquilo que acreditamos ser verdade, é obviamente muito mais fácil rejeitá-la por completo, que colocá-la na mesa cirúrgica mental, e usar o bisturi da consciência para tentar extrair a verdade inerente. Este é o tipo de pensamento que fomenta ideologias extremistas e crenças cegas. Esta não aceitação da crítica leva à rejeitação dessa tal parcela de verdade, e mantém-nos uma passo mais longe da sabedoria e do conhecimento pertinente.
É fundamental ser crítico em relação às críticas. Ser crítico é não aceitar nada como absoluto, não aceitar nenhum ponto de vista como incontestável. É contestar o óbvio imposto pela cultura e pela sociedade, mas é também colocar a hipótese de aquilo que nos parece ser falso poder conter verdade em si, e vice-versa. Para compreendermos esta subjectividade que impregna a vida, é importante conseguirmo-nos colocar sob prismas diferentes de interpretação de uma situação - o vulgar "colocarmo-nos no lugar dos outros"- ou, neste caso, crítica.
Resumindo, devemos ser críticos relativamente à própria crítica, mantendo a abertura, ou seja, não a rejeitando logo à partida, e tentando analisá-la da forma mais objectiva possível. É nesta análise objectiva que entra a capacidade de nos colocarmos sob a perspectiva das outras pessoas, pois fazendo-o conseguimos sair um pouco da nossa própria perspectiva (da nossa esfera pessoal, egocênctrica), e encaramos as situações de um patamar superior, mais objectivo. Se tivermos essa capacidade de "ver como outros veriam", a forma final como encaramos as coisas passa a ser uma soma da nossa própria interpretação com outras, originando uma visão mais vasta, mais aberta e flexível. Se todos fossemos montanhas à volta do vale da vida, este processo equivaleria a algo como conseguirmos subir outras montanhas para daí poder ver o vale, adquirindo um conhecimento mais completo e uma visão mais objectiva do mesmo.
A imaginação ou a visualização criativa, essencialmente parecidas, e que consistem na capacidade de criar imagens mentais, são ferramentas poderosas na adopção de perspectivas que não a nossa. Quanto mais desenvolvidas estas ferramentas se encontrarem, maior a capacidade de elaborar imagens mentais pormenorizadas, mais marcantes e facilmente memorizáveis.
Desenvolver a imaginação ou a visualização criativa leva a uma maior eficácia na adopção de prismas de interpretação diferentes do nosso, pois a construção desses prismas é mais elaborada e melhor estruturada. Estas ferramentas são, portanto, uma ajuda preciosa na aquisição de um conhecimento pertinente, ou seja mais objectivo e real, e o menos centrado no ego possível. Quanto mais perspectivas diferentes foram adoptadas e catalogadas nos nossos arquivos mentais, mais pertinente será o nosso conhecimento, para não falar num grande potencial de fortalecimento da tolerância e da compreensão, que têm também por base a capacidade de nos colocarmos segundo a perspectiva de outros.
Imaginemos um cubo gigante. Em frente a cada face do cubo uma pessoa. Mas o cubo é tão grande que nenhuma das pessoas consegue ver além da face com que se depara. O conhecimento do cubo que cada uma delas possuí é muito erróneo. Quanto mais perspectivas desse mesmo cubo forem adoptadas, melhor a percepção do mesmo e mais pertinente o conhecimento. Suponhamos agora que várias pessoas percepcionam uma situação através de uma lente colorida, em que todas as lentes têm cores diferentes e distorcem um pouco a percepção mas de forma ligeiramente diferente. Uma provoca aumento, uma redução, e por aí adiante. A pessoa que olha através de uma lente não compreende a forma de pensar de outra, e parte do princípio que a outra pessoa está errada e que a sua própria maneira de abordar a situação é que está correcta. No entanto, se essa mesma pessoa conseguir ver o mundo através de outras lentes que não a sua, começa a perceber que tudo é pelo menos um pouco subjectivo. E quando nos apercebemos que o número de lentes diferentes atinge os biliões pelo mundo fora, começa a forjar-se uma tolerância completa e forte.
Tudo isto para dar a entender como a criação de perspectivas diferentes da nossa habitual (através da imaginação e visualização criativa) proporcionam o conhecimento pertinente e também a tolerância.
Após alguma divagação e voltando ao assunto inicial: o desenvolvimento destas capacidades leva a um aperfeiçoamento da construção de diferentes visões e interpretações, e isto relativiza a nossa visão original, altera-a. O seu tamanho e importância mirram quando colocados lado a lado, e cada vez mais em pé de igualdade em relação a outras, originando uma forma mais sábia e flexível de ver e abordar o mundo. Quando a nossa forma de ver as coisas se encontra próximo do absoluto, em territorios egocêntricos, é tanto mais sobrevalorizada por nós quanto mais única for, e à medida que vamos compreendendo outras visões diferentes da nossa, a nossa visão vai se alargando e se fundindo com outras, tornado-se mais vasta e mais completa. Este tipo de abordagem é o mais propício à aceitação da crítica, pois abre caminho à verdade contida noutras formas de ver, neste caso e mais precisamente, noutras formas de nos ver.
Quando desenvolvemos este espírito aberto à crítica, estaremos a abrir as portagens da auto-estrada do desenvolvimento pessoal, esculpindo gradualmente uma personalidade mais forte, e desenvolvendo paralelamente a flexibilidade que nos garante mais crescimento e mais fortalecimento.

terça-feira, 19 de junho de 2007

Tao

"Existem muitas ilhas, mas todas se encontram no fundo do oceano... Fazem parte da mesma terra, do mesmo continente. O mesmo se passa com a consciência."
Osho

Tanta gente na rua...
Uma multidão separada por ilusórias barreiras egoicas.
A mente humana é o instrumento mais complexo e fascinante de que temos conhecimento. No entanto, comete um grande erro ao fazer-nos crer que necessitamos do ego, que a nossa identidade se resume ao "eu". O ego é o componente base da competição e de todo o tipo de atritos entre humanos, e um elemento destabilizador da harmonia natural.
A mente delimita fronteiras inexistentes, que a separam dos outros, fortalecendo a sua própria identidade. Essas fronteiras levam à noção de posse: de posse dos territórios da nossa identidade, de posse do nosso espaço interno e externo, que têm de ser defendidos daqueles que passamos a acreditar serem nossos adversários e constituírem uma ameaça para a nossa identidade. A mente resume a sobrevivência do ser à coesão e à subsistência da sua identidade mental, sendo apesar disso coisas muito diferentes: a nossa verdadeira identidade e a nossa vivência como indivíduos situam-se muito além dos domínios da mente, sendo possível manter uma unidade coesa, viver e ser feliz, sem distorções por parte do ego. É precisamente devido a este mal-entendido que a mente acaba por criar um universo, ou uma perspectiva do mesmo, no qual tudo gira à volta do bem supremo a ser defendido: a identidade.
Cria-se o ego, separando-se o "eu" e o "meu" de tudo o resto. Cria-se a identidade que é o nosso território, o nosso mundo, o nosso universo... Surge todo o tipo de medos de possíveis ameaças à integridade do nosso ego... E nascem os conflitos com os outros seres...
Quando a mente é parada, e um estado superior de consciência é atingido, o ego dissolve-se, assim como todas as suas fronteiras. O universo mental expande-se, atingindo a infinidade do cosmos, e deixa de haver uma identidade a ser defendida, assim como adversários que a possam ameaçar. O sentimento, dizem, é de fusão com tudo o que nos rodeia, de fraternidade para com toda a vida que nos rodeia.
Do ponto de vista lógico, é uma situação perfeitamente compreensível: se o ego é a estrutura mental que nos separa de tudo o resto, quando a mente é parada e este mesmo ego desaparece, a divisão entre o "eu" e o que o rodeia deixa de existir, e deixamos de sentir ou ter noção de qualquer divisão entre o nosso ser e o mundo. Sentimo-nos em união com os outros seres e, sentindo-nos parte de tudo, torna-se inconcebível agirmos de forma negativa para com os outros seres, para com a natureza: estaríamos a destruir-nos a nós próprios.

sábado, 9 de junho de 2007

Somnus Ambulare

Existirá cura para este mal chamado de sonambulismo? Não falo de cura a nível individual, mas sim de uma cura a nível global. Que poderá ser feito para despertar este mundo submerso em sonambulismo, quando a cura, o despertar, depende de uma vontade própria de transformação? O despertar depende da compreensão de cada um, e da coragem de se libertar dum pesadelo mascarado de sonho. O despertar não pode ser impingido... nada que seja verdadeiro e belo pode ser impingido. O despertar reside numa profunda transformação interior, que assenta num profundo autoconhecimento.
Na nossa vida, o nosso espírito pode percorrer 3 fases, separadas por transformações interiores. A primeira fase é o estado natural em que nasce cada ser humano: o estado de felicidade inconsciente. É a fase que vivem as crianças, num estado de pureza, inocência, alegria e amor, mas também de fragilidade, e quase desprovido de crescimento pessoal consciente. À medida que o intelecto se vai desenvolvendo, e os conhecimentos vão sendo adquiridos, o ser humano torna-se mais sábio - intelectualmente falando. Por outro lado, essa sobrecarga de conhecimento e essa complexidade de funcionamento geram um desiquilíbrio, que é o chamado "sofrimento" pelos budistas - a incapacidade de viver uma vida fluída, harmoniosa, simples, e no entanto realizada e feliz. Esta segunda fase - de infelicidade consciente - é essencial, pois sem o conhecimento e a complexificação das capacidades cognitivas, dificulta-se a obtenção de um estado de autonomia, harmonia para com os outros, e capacidade participativa a nível social/global. Apesar de ser uma fase essencial, não representa o fim da evolução, devendo ser seguida de uma terceira fase - a da felicidade consciente. Esta terceira fase é definida por um estado superior de consciência, e reune características das duas fases anteriores: contém em si uma pureza, alegria constante, amor e espontaneidade característicos da primeira fase, com um background de conhecimento e capacidades congnitivas adquirido na segunda fase. Cria-se um ser humano completo: sábio, conhecedor e autónomo, sem perder no entanto a sua sensibilidade, a sua capacidade de presenciar o constante misterio da vida e a beleza de todas as coisas, sendo espontaneo e criativo... sendo acima de tudo livre.
O sonambulismo é um doença que surge na segunda fase, no meio de uma hiperactividade mental, e tem por base a automatização inerente à mente humana. A mente humana, após repetir uma tarefa algumas vezes, automatiza-a, e passa a efectuá-la automáticamente, sem dispender muita atenção à mesma, dirigindo toda a atenção restante para um mar de pensamentos que nos afastam do momento presente. Daí dizer-se que a quase totalidade das pessoas vive na mente, vive afastada do presente, e nunca leva uma vida plena - uma vida desperta.
O esclarecimento tão defendido pela cultura oriental, em especial pelo budismo, também chamado de iluminação ou despertar, é exactamente escapar a esse estado vulgar de ausência. O Zen - do budismo Zen - é um estado de canalização da atenção para o momento presente, para o sentir e para o ser. Quando toda a atenção se encontra direccionada para o presente, para o que sentimos e somos, e para o que nos rodeia, não sobra atenção que nos permita perdermo-nos nos nossos pensamentos, que seria a única hipótese de nos afastarmos do momento presente. O Zen é por isso atingir um estado em que o nosso padrão de funcionamento deixa de ser um caudal de 24 horas diárias de pensamentos, para ser um estado desperto e atento quase 24 horas por dia (e mesmo 24, se for essa a vontade), cujas excepções surgem quando necessitamos da mente para comunicar, para aceder ao conhecimento adquirido no passado, ou planear o futuro.
Vou na rua todos os dias, e observo a quantidade de pessoas a toda a hora e em todo o lado, em stand by, em "sleep mode", a viajar por mundos inexistentes, deixando escapar o momento por entre os dedos que nem areia numa ampulheta - fugaz e sem retorno. Observo e penso... penso nas tantas vezes que me encontro na mesma situação, e no desperdício de vida que representa. Observo e decido, decido que vou fazer tudo para estar presente e desperto, para viver profundamente tantos segundos da minha vida quantos conseguir, deixando-me absorver por completo.
A única cura conhecida para este mal é a meditação. É uma cura tão natural quanto respirar, mas há muito esquecida. É uma cura que tem de ser procurada pelo enfermo, e aplicada pelo mesmo. Não pode ser impingida, só pode ser escolhida. Sonho viver num mundo em que toda a gente vive nesse estado de felicidade consciente, um mundo pleno de paz e harmonia, de amor e alegria, um mundo meditativo. Não sei se será um sonho plausível... Sei que a escolha é de cada um, e a minha já foi feita...
Quero estar presente e desperto... Quero viver plenamente e ser feliz... Quero ser livre...

quinta-feira, 7 de junho de 2007

Um mundo indiferente

Como é possível fechar os olhos? Como é possível tal cegueira nos ofuscar uma visão do mundo atormentado e doente onde vivemos? Como podemos decidir não ver que a solução existe e está ao nosso alcance? Temos todos os recursos necessários para acabar com a fome e a subnutrição, com todo o tipo de desigualdades... Como podemos deixar-nos cegar pelo poder, pela ambição, pelo egocentrismo/etnocentrismo, e relegar para o subconsciente a responsabilidade de agirmos segundo uma lei cívica e solidariedade universais, de seguirmos uma ética de compaixão e amor pelos nossos irmãos? Que espécie somos nós, que valoriza o desenvolvimento tecnológico e económico desenfreado, em detrimento de um desenvolvimento humano harmonioso, global?
Seguimos um desenvolvimento fragmentado e incompleto, porque temos vindo a ser seres fragmentados e incompletos. O problema reside no monopólio da mente no mundo em que vivemos, e nos seus métodos controversos. A mente é apenas uma das partes do nosso ser, e durante século permaneceu mestre e senhora, escravizando-nos, e tornando-se a causa de uma infinidade de problemas. A mente humana necessita do ego, da sua identidade, e o poder e as posses fortalecem essa identidade, muitas vezes à custa do bem-estar dos outros. A mente deve ser reduzida à sua função de ferramenta racional e lógica, e colocada no contexto de um todo, não fragmentado, unificando o ser humano, e levando a um crescimento humano como um todo. O coração deve segurar o leme da vida, e a mente deve ser o servo que ajuda em todas as tarefas de lógica e comunicação.
O coração não precisa de posses nem de poder para fortalecer o ego, o coração não tem uma identidade para ser ameaçada por medos, medos estes que originam defesas que são mais ataques à liberdade dos outros seres.
Um mundo melhor é um mundo onde a mente submerge no domínio do coração, na consciência... É um mundo regido pela harmonia natural do universo, um mundo onde cada um se apercebe do seu papel no todo, e que a igualdade é o mais fundamental dos direitos, e o mais esperado dos sonhos: a igualdade de expressão do ser e da sua singularidade, a igualdade de liberdade, a igualdade de ser feliz.

segunda-feira, 4 de junho de 2007

A utopia das utopias? Ou a verdade das verdades?

Nirvana...
Uma simples palavra, dotada da mais profunda das profundidades. É uma simples representação gráfica de uma verdade, ou suposta verdade, que contém em si uma sabedoria tão vasta quanto o universo. As palavras são, à partida, de certa forma ilusórias, pois ocultam o verdadeiro significado. São uma máscara, uma pele falsa de uma verdade complexa, completa e incognoscível.
Verdade há só uma... a realidade não é subjectiva... mas será apreensível? Cada ser humano vive aprisionado no seu mísero e infinito mundo subjectivo, cercado de erro e dúvida, a uma distância vertiginosa da realidade objectiva. Será possível presenciar essa utópica verdade? Ou será essa utopia uma verdade ao nosso alcance?
Nirvana... moksha... iluminação... Deus... esclarecimento... Zen... poderão tantas palavras querer dizer o mesmo? Nunca conheceremos o verdadeiro significado por detrás duma palavra.
Mas e o que representa essa verdade? O que é o nirvana?
O nirvana é ser. O nirvana é estar. É estar completamente presente, é canalizar por completo toda a nossa energia e a nossa atenção para o momento presente. A mente humana não funciona no presente, mas sim no passado ou no futuro. Analisa o presente tendo em conta a sua vasta base de dados, distorcendo-o e impedindo uma percepão pura. Vive perdida entre culpa, preocupações e ressentimentos do passado, e angústias, anseios, e preocupações futuras. Desvia a nossa atenção do momento presente, da verdade.
O nirvana representa a libertação de todos os condicionamentos sociais, pois estes residem na mente. Representa a libertação da dependência de tudo o que nos rodeia, gerando uma liberdade de ser e viver, que estimula o nosso carácter genuíno e criativo, a nossa capacidade de sermos nós próprios.
O nirvana é o reatar da ligação com a nossa criança interior, com a pureza e inocência perdida há muito. É a libertação de uma prisão inconsciente, proporcionando-nos um estado de objectividade total, em que olhamos cada segundo e cada átomo como se da primeira vez se tratasse - é a novidade constante, o reacender do mistério da vida.
A iluminação é um estado de colapso dos medos e energias negativas. É a criação de um paraíso interior onde cada flor que desabrocha emana o seu perfume com total liberdade, um perfume de amor e alegria. E quando o amor e alegria transborda, floresce a vontade de partilhar com os outros, e amá-los...
Eu acredito profundamente num estado superior de consciência. Um estado que ultrapassa a mente humana, racional, condicionada, e muito limitada. Não sei o que chamar a esse estado. Talvez o melhor será chamá-lo de um estado de "ser". A meditação é um provável caminho a percorrer para demolir as muralhas mentais, e atingir esse estado superior de ser. A meditação pára a mente faladora, e cria um novo estado de percepção apurada, refinada, límpida. A meditação centra as energias no presente, de forma abstraída do passado e do futuro. Não os elimina, passa-os apenas para o segundo plano. A meditação faz crescer a paz interior, um estado de serenidade inabalável. Esta serenidade é um rio, à borda do qual morrem todas as energias negativas vindas do exterior, e cujo perfume presenteia tudo e todos à sua volta com amor.
A verdade é falada por todo o planeta, por todas as religiões, sendo sujeita a constantes e infindáveis distorções. Será possível identificá-la por entre todas as verdades subjectivas? Ou tratar-se-ia apenas de mais uma verdade ilusória? Será o nirvana um estado utópico, criador de uma esperança sem fim, demolidora das inseguranças da vida e do medo da morte? Para que ter fé? Para que acreditar sem experimentar? É uma busca que, mesmo não dando garantias de atingir o sucesso, é por si mesma a maior representação de sucesso intrínseco. Cada degrau que se sobe proporciona a maior das alegrias e o maior dos crescimentos... e acima de tudo, a maior das liberdades.
É-me indiferente se o farol existe ou não, desde que a crença no mesmo nos faça navegar na direcção do crescimento. De qualquer das formas, acima da crença e da refutação, julgo encontrar-se o patamar da experimentação. Não considero o nirvana, Deus, o Zen... conceitos religiosos, pois a verdade não é religiosa, pelo menos no sentido que conhecemos. A verdadeira religiosidade reside no autoconhecimento, na harmonia interior e consequentemente exterior, e na liberdade. A verdadeira religiosidade encontra-se por detrás de todos os mitos criados pelas religiões humanas, e cresce em paralelo com a ética, mas uma ética supraconsciente - a ética de ser.