terça-feira, 25 de agosto de 2009

Praga és tu, pá!

Em que consiste uma praga? Uma praga diz respeito ao crescimento desregulado de uma espécie, que desequilibra o ecossistema onde essa espécie se insere. Leva normalmente a um consumo descontrolado dos recursos (como a grande praga da Filoxera, que afectou a Europa no século XIX), afectando também (directa ou indirectamente) as outras espécies que integram o ecossistema. Sabemos que uma praga segue esse tipo de crescimento nada adequado, e que geralmente acaba por surgir uma força reguladora - a humana - que combate esse crescimento, tentando instaurar um novo equilíbrio. Questiono-me, e mesmo depois de alguma pesquisa, continuo sem saber quais as consequências no caso de não haver esse controlo (que no nosso caso, diga-se de passagem, é mais um controlo egoísta para preservar as nossas condições de vida, do que para preservar o equilíbrio de todo o ecossistema terrestre). Mas será necessário pensar muito ou ir muito longe para descobrirmos um exemplo desse tipo de praga que não é controlada?

Encarando o contexto do mundo vivo duma forma mais abrangente, não só no que diz respeito a pragas, podemos encontrar uma grande variedade genética que enriquece a vida no nosso planeta, assim como um leque sem fim de seres vivos. Estes seres adaptam-se ao meio onde se inserem, de forma a poderem extrair dele os recursos necessários à sua sobrevivência e à manutenção da sua existência. Cada espécie animal possui características adaptadas ao local onde habita, de forma a poder sobreviver aos perigos existentes, e a poder extrair o alimento de que necessita para garantir a sua descendência genética. E a nossa espécie não é excepção, ou será? Assim como as plantas desenvolveram raízes (mais ou menos profundas) de forma a extrair os nutrientes do solo, e folhas capazes de transformar a energia luminosa em energia química, também os seres humanos se adaptam ao meio onde se encontram. Iniciamos a nossa viagem como colectores, e fomos evoluíndo rumo ao cultivo e extracção dos alimentos do solo, gradualmente melhorando as técnicas, que se tornam mais e mais eficazes, tendo por background uma evolução do conhecimento científico.

Além da participação nessa demanda por recursos, outra característica dessa grande variedade de seres vivos é que interagem com os outros seres vivos do ecossistema, tentando garantir um território, a sua sobrevivência, ou para deles extrair alimentos necessários à sua dieta natural, estabelecendo-se assim uma cadeia hierárquica. Estes seres inserem-se num sistema complexo e equilibrado, que mantém a sobrevivência das espécies, fornecendo-lhes os recursos necessários, mantendo o número de exemplares de cada espécie num nível aceitável. E assim se atinge um fabuloso equilíbrio entre um sem fim de espécies que interagem entre elas, algo que parece obra resultante de algum tipo de inteligência.

Resumindo, a natureza viva (mas também a não viva, pois esta sustenta a primeira), segue um equilíbrio digno de um óscar da existência, em que os seres vivos retiram do meio os recursos que necessitam duma forma moderada, e interagem com os outros seres vivos do ecossistema duma forma equilibrada. Mas voltando à questão das excepções...

O homo sapiens sapiens: que exemplar extremamente complicado, mais não seja pelos imprescrutáveis meandros da sua mente, e pela não menos complexa forma como interage com o seu grupo. Será que somo de alguma forma uma excepção ao equilíbrio natural?
Como a psicologia explica, nós seres humanos temos uma perspectiva muito subjectiva e enviesada da realidade, sendo que uma das consequências é, entre outras, vermos aquilo que queremos ver, de forma a conseguirmos obter uma visão mais positiva de nós e dos nossos (o que também se aplica a nós como grupo humano). Vemos o mundo duma forma alterada pela nossa identidade, pelas nossas crenças, pela nossa experiência, mas também pela identidade e experiência do grupo. E é extremamente difícil sair deste visão subjectiva e ver as coisas duma forma mais objectiva.

Mas, no que toca à gestão de recursos e de relacionamentos inter-espécies, não me parece assim tão difícil olharmos duma forma global para a história do mundo e do ser humano, olharmos para o nosso comportamento de uma forma geral e para a nossa evolução. Com o passar dos anos, o Homem continuamente expandiu o seu conhecimento, o que levou ao aprimorar de todo o tipo de tecnologias e técnicas. Cada vez sabemos mais, o que nos permite tornarmos cada vez mais eficientes, quer seja na extracção dos recursos do planeta (ao ponto de extraírmos muito mais do que precisamos e serem desperdiçadas grandes quantidades de alimento, por exemplo), quer seja na construção de armas cada vez mais mortíferas, e por aí adiante. Parece-me fazer sentido que o poder económico tenha um papel muito importante neste aumento desregulado, ao apelar à produtividade (pois precisa dela para subsistir e manter o seu lucro), o que leva a situações como a que se verifica no pantanal de Mato Grosso - mais info aqui. Mas esta péssima influência económica não tem vontade própria, sendo que apenas reflecte a ganância inerente ao ser Humano. Essa ganância, essa vontade de ter mais, de saber mais, ou o medo de perder o que se tem e de não se ter os recursos necessários no futuro que se aproxima, são factores que incitam a acumulação. Desta forma, exploramos o ecossistema duma forma não sustentada, nada moderada, e sem ter em consideração a manutenção do equilíbrio entre a complexa rede de seres vivos. Acabamos por destruir paisagens, por extinguir espécies, e a dificuldade de mudança deve-se muito a não conseguirmos muitas vezes prever as consequências futuras dos nossos actos presentes (acerca deste tema e não só, aconselho o livro do psicólogo Daniel Gilbert "Stumbling on happiness", cuja versão portuguesa se chama "Tropeçando na felicidade"). Felizmente e infelizmente chegámos a uma limiar em que é inevitável fechar os olhos, pois as consequências são cada vez mais óbvias, e isto reflecte-se numa mudança (lenta, na minha opinião) de crenças, atitudes e comportamentos. Será que vamos a tempo?
Longe de mim criticar o aprofundar do conhecimento (como amante da ciência que sou), e longe de mim censurar o aprimorar da tecnologia e da técnica. Mas infelizmente, o que o escritor e produtor Stan Lee expressou num dos seus filmes, sob a forma das palavras "Com um grande poder, vem uma grande responsabilidade", não se verifica na prática, e essa responsabilidade é substituída por um grande egocentrismo e inconsciência. Não sabemos usar o conhecimento que adquirimos, e esse é o cerne do problema. Tomemos por exemplo o recurso à produção de alimentos transgénicos. Sem deixar de ter em consideração as vantagens de ter alimentos mais resistentes e adequados às nossas necessidades, que consequências trarão a longo prazo para o nosso ecossistema? Que impacto teram esses alimentos "melhorados" nos seus concorrentes naturais?

Mas a extracção e processamento de recursos e a falta de consideração pelos outros membros vivos do ecossistema não são os únicos problemas do comportamento humano. Entre um infindável número que poderia listar aqui, parece-me importante referir um crescimento extremamente exagerado do número de membros da nossa família humana, o que sem dúvida contribuí para os problemas referidos anteriormente. Culpem a testosterona, culpem a falta de educação, mas o certo é que temos atingido proporções preocupantes. Sem ter a intenção de puxar a brasa à minha sardinha, parece-me que cabe à psicologia e à psicologia social o papel de, após compreender a forma como pensamos, sentimos e agimos, descobrir como emendar alguns dos "bugs" mentais que se verificam, e como melhor sensibilizar e educar as pessoas, passando por uma grande mudança de atitudes.

Tudo isto para resumir uma visão um pouco pessimista do mundo, que não deixa de ser também esperançosa: não sabemos usar o nosso poder com responsabilidade. Não sabemos prever as consequências futuras das nossas acções, e partilhamos pelo menos um dos hobbies dos coelhos. Obviamente que existem outros factores, como a poluição ambiental, que por sua vez está também associada ao crescimento não sustentado. Estes factores referidos levam a uma destruição do ambiente, a uma destruição das outras espécies, que levará em última instância, e caso a consciência e o rumo dos acontecimentos não mudem, à destruição da nossa espécie. Assim como nós seres humano tentamos controlar a progressão de pragas que se reproduzem e consomem recursos de forma desmedida, e ameaçam a nossa estabilidade, também a inteligência da natureza certificar-se-á de controlar esta praga (que naturalmente não consegue encarar-se como tal), de forma a restaurar de novo o equilíbrio natural. Esta é uma visão radical, mas real na sua subjectividade. De qualquer das formas, se não se despertar a consciência para uma necessidade de mudança... bem, o problema é nosso, não é?

sábado, 15 de agosto de 2009

Between Angels and Insects

A música é uma arte, uma forma de exprimir o que nos vai na alma. Assim como alguns o fazem através da pintura, da mera utilização de palavras como a poesia, do desenho, e uma infinidade de outras artes, a música pode ser uma forma muito profunda de nos exprimir-mos. Esta forma de arte pode ser aliada a outra forma de arte, que é a literatura, nascendo assim as chamadas canções. Claro que nem tudo o que motiva o surgimento deste tipo de arte mista é artístico, pois há outros interesses envolvidos: há a criação de uma imagem (há conjuntos musicais que se dedicam mais à construção de uma imagem do que outros), há o lucro (especialmente da parte de terceiros, como os representantes dos músicos), há o entretenimento (expressão mais virada para o público). Não tendo nada contra os músicos que trabalham a sua imagem e que são entretainers acima de tudo, aprecio especialmente aqueles que sobem ao palco e entram naquela espécie de transe em que o mundo desaparece, sobrando a sua alma, a sua voz e/ou o seu instrumento.

Essa intersecção de variáveis de definem um artista musical levam muitas vezes a que as pessoas menosprezem um artista, não conseguindo apreciar um determinado nível (como o literário) porque este não as agrada a um outro nível (como o da imagem). Tomemos por exemplo o Pedro Abrunhosa, que na minha opinião é um grande poeta dos nossos dias: o facto de não cantar (facto por ele admitido) impede muitas vezes que as pessoas prestem atenção às suas letras, não conseguindo assim ter uma visão mais abrangente da obra do artista. O mesmo poderá passar-se com o grande crítico social, Gabriel O Pensador. Sem querer tomar o partido de ninguem, quem sabe o Marilyn Manson não terá nas suas músicas mensagens com alguma profundidade? Mas a imagem gera um grande impacto nas pessoas, impedindo muitas vezes que consigamos ir mais longe.

Acho que essa barreira da imagem funciona nos dois sentidos: pode ser uma má imagem inicial que nos impeça de ver a profundidade literária; mas também pode ser uma boa imagem, ou melhor dizendo comercial, que nos impeça de ver outros conteúdos da arte musical. Inúmeras bandas nos chegam incessantemente dos Estados Unidos, cuja imagem e ritmos nos cativam, impedindo-nos de ir além das aparências. No entanto, acho que o factor língua tem aqui um grande peso: o facto de uma canção nos chegar escrita noutra língua dificulta que interpretemos a sua letra, fazendo com que nos voltemos mais para outros factores (como a música, a imagem, etc) - claro que isto varia de pessoa para pessoa. Isto pode ter a ver com o facto de, quando ouvimos uma música na nossa língua, ser quase inevitável acedermos ao significado da sua letra, pois é um processo já automático que exercitamos desde que aprendemos a falar; no entanto, quando ouvimos uma canção em inglês, por exemplo, já é necessária muito mais atenção da nossa parte para acedermos ao significado das palavras, tendo também em conta que a nossa atenção se distribui por outros factores.

Após este pequeno aparte linguístico, voltemos à questão de como alguns factores, como a imagem, podem desviar a nossa atenção de outros conteúdos musicais. Tomemos por exemplo uma banda que, apesar de ter muitos fãs (especialmente jovens), pode perfeitamente ser rotulada como "uma banda de jovens rockeiros, darks e rebeldes, que dizem palavrões e gritam nas músicas". Estou a falar dos Papa Roach, e para terminar vou deixar aqui o exemplo específico duma música de que gosto especialmente, para mostrar algum conteúdo literário crítico, e como nos podemos enganar facilmente (atenção que não estou a generalizar a conclusão à banda no geral, e a todas as suas músicas). A canção chama-se Between Angels and Insects:

Estrofes
I just wanna be heard, loud and clear are my words, comin’ from within man
Tell ‘em what you heard, it's about a revolution
In your heart and in your mind, you can't find the conclusion
Lifestyle and obsession, diamond rings get you nothin’ but a lifelong lesson
And your pocketbook stressin’, you're a slave to the system
Workin jobs that you hate, for that shit you don't need
It's too bad the world is based on greed, step back and see
Stop thinkin’ bout yourself, start thinkin’ bout

Cuz everything is nothing, and emptiness is in everything
This reality is really just a fucked up dream
With the flesh and the blood that you call your soul, flip it inside out
It's a big black hole, take your money burn it up like an asteroid
Possessions, they are never gonna fill the void, take it away
And learn the best lesson, the heart, the soul, the life, the passion

Refrão
There's no money, there's no possession, only obsession, I don't need that shit
Take my money, take my possession, take my obsession, I don't need that shit

Bridge
Money, possession, obsession, present yourself, press your clothes
Comb your hair, clock in, you just can't win, just can't win
And the things you own, own you

Segundo o Jacoby Shaddix (vulgarmente conhecido por Coby Dick): Nestas palavras que "vêm bem lá de dentro", procura revolucionar a confusão que vai dentro de nós, com destaque para aquela que nos leva a seguir estilos de vida orientados para a aquisição de bens materiais, que não nos trazem nada, senão uma lição no final: que esses bens nunca irão preencher o vazio que temos dentro de nós. Tornámo-nos escravos dum sistema, que nos cativa com riqueza exterior, prometendo assim a felicidade. Nesse sistema sujeitámo-nos a trabalhos de que não gostamos verdadeiramente, mas que nos dão o dinheiro para conseguirmos comprar a felicidade de plástico que não nos irá satisfazer nunca. Isto tudo porque faz parte do ser humano a ganância, a ambição, uma fome de ter mais, com as quais o sistema joga para manter as pessoas presas a esses tais empregos, e para que estas perpetuem esse mesmo sistema. Faz-nos crer que precisamos de imensas coisas, para que continuemos a trabalhar como formigas obreiras nas construção da nossa prisão.

Mas se nos afastarmos um pouco e observarmos as coisas com mais clareza: O dinheiro é vazio, não tem valor intrínseco. As posses são vazias e há apenas uma obsessão constante em ter mais, em ter o que os outros têm também, e essa obsessão sim impede-nos de sermos felizes. Todas as coisas não significam nada. O vazio está em tudo, e também dentro de nós. Isto a que chamamos de realidade não passa de um "sonho" (uma interpretação subjectiva), em que tentamos preencher o vazio dentro de nós com essas coisas também vazias (que julgamos possuir, mas acabam por nos possuir), em que cultivamos o nosso exterior como se fosse a nossa alma e tudo o que temos. O culto do exterior e as posses nunca irão tornar-nos felizes, mas poderão fazer-nos aprender a verdadeira lição: a do coração, da alma, da vida, e da paixão.

Obrigado, Coby, pela chamada de atenção, e pelas tuas palavras verdadeiras, que infelizmente esbarram no preconceito das pessoas e perdem o seu efeito.

Uma flor, uma analogia, uma libertação

A flor de Lótus é uma flor venerada na Índia e no Japão, o que se deve a possuir uma simbologia muito profunda. A semente de Lótus pode ficar à volta de 5.000 anos sem água, até que surja a quantidade perfeita de humidade, para que possa germinar. Esta flor nasce da lama, sendo que só se abre quando atinge a superfície, mostrando as suas pétalas que possuem a interessante característica de auto-limpeza (repelindo microorganismos e sujidade). O botão da flor tem a forma de um coração, e suas pétalas não caem quando a flor morre, apenas secam. É ainda a única planta com a capacidade de regular seu calor interno, mantendo-o por volta de 35º, aproximadamente a mesma temperatura do corpo humano.

É quase inevitável estabelecer uma ponte entre esta flor e o chamado "crescimento espiritual" do ser humano, aquele que culmina num profundo conhecimento de si próprio, numa grande liberdade, espontaneidade, e numa verdadeira expressão daquilo que somos - este estado é muitas vezes chamado de nirvana, de moksha, de zen, etc. Assim como a semente pode ficar milhares de anos sem germinar, também o Homem pode nascer, crescer, e morrer, sem nunca amadurecer verdadeiramente. Só quando se estabelecem as condições necessárias (que segundo diversas filosofias orientais partem da meditação) pode o ser humano florescer. O ser humano nasce e vive na lama, na medida em que vive num estado de grande aprisionamento mental, de grande condicionamento (somos prisioneiros daquilo que nos foi transmitido culturalmente, pela nossa educação - tornamo-nos escravos dos nossos pensamentos). Vive na lama por viver num estado de ausência de harmonia interior, um estado constantemente inundado por pensamentos negativos, sofrimento, insatisfação, conflito (alternado com períodos de satisfação e prazer passageiros). Vive na lama porque não se expressa verdadeiramente: expressa muitas vezes aquilo que acha correcto expressar, aquilo que acha que não será rejeitado e censurado pelos outros, vivendo numa auto-repressão constante. Vive na lama porque vive na culpa, recriminando-se, mesmo que inconscientemente, por aquelas coisas que não exprimiu devido à repressão, mas guarda contínuamente dentro de si - não mostra o que é para poder se integrar melhor na sociedade, mas o que esconde continua dentro de si a envenenar o seu ser, até que tudo seja exteriorizado. Só quando se expressa livremente pode este ser crescer, mostrar as suas pétalas. E só se pode expressar livremente quando se deixa de reprimir e sentir culpado pelo que é. E só pode abandonar essa culpa e repressão quando compreende e relativiza a pressão social, as normas.

Só quando remove todos os obstáculos, que no fundo eram alimentados por si próprio, só nesta altura mostra todo o seu brilho, que irradia o mundo e contagia os outros seres que o rodeiam, partilhando com eles a sua liberdade e dando-lhes força para enfrentarem os seus medos e se tornarem livres.

Aquilo que nos é transmitido pela sociedade tem a sua utilidade, pois serve de base ao nosso crescimento. Esse conhecimento e essas normas resultam da experiência dos nossos antepassados. Resulta numa mundivisão mais ou menos homogeneizada. No entanto, o mundo segue uma constante evolução: o conhecimento é contínuamente aprimorado, e contínuamente adaptado a novas realidades (há, no entanto, normas que são mais resistentes à mudança). Sabendo isto, não nos devemos apegar demasiado ao que nos foi transmitido: a nossa educação é uma plataforma de lançamento para o nosso crescimento contínuo, do qual faz parte a capacidade de individualização, de quebrar a norma quando esta tem de ser quebrada. Se queremos nos completar como seres humanos, temos de abandonar aquilo que nos lançou na nossa busca - a educação, e descobrirmos a nossa verdade, aquilo que somos e que temos de exprimir. Temos de cortar o nosso cordão umbilical, abandonar o ninho, amadurecer. E só mediante essa libertação e essa descoberta podemos resolver os nossos problema interiores, atingindo esse tal equilíbrio que será a nossa dádiva para o mundo e para a evolução da consciência desse mundo. Há que criar essas condições necessárias para sair da lama e para florescer.

Curto memorando sobre meditação

O estado muitas vezes chamado de meditação é um estado de ausência de mente, no sentido de ausência de pensamento, e logo um estado desprovido de todo o tipo de condicionamentos com origem em conceitos, formulas, conhecimento, enfim... de tudo o que reside na nossa memória – o passado. Normalmente, o conhecimento que temos armazenado sob a forma de memórias surge, espontaneamente ou porque nos deparamos com algo que nos faz recordar, alterando a forma como vemos aquilo que está à nossa frente: vejo uma pessoa que pertence a um grupo que considero de violento, recordo a informação que tenho acerca desse tipo de pessoa, vejo-a duma determinada forma com base na experiência que tenho com pessoas "assim", e activo um padrão de comportamento adequado para lidar com esse tipo de pessoa. Desta forma o nosso pensamento e comportamento é sempre determinado pelo passado e pela experiência, e extremamente limitado na medida em que cria imagens de pessoas novas com base em informação extraída de outras pessoas. Isto acontece de forma a que a nossa mente possa conhecer e compreender o mundo à volta da forma mais económica em termos de recursos. Mas isto não que dizer que não haja outra forma.

No estado de meditação, a mente silencia-se, e com ela toda essa informação do passado. Agimos num estado de inocência, porque tudo à nossa volta é misterioso. Se não há memórias e estamos focados no presente, o conhecimento é colocado de parte, e vemos tudo para onde olhamos como novo. Parece difícil orientarmo-nos sem a nossa pré-programação, mas essa dificuldade de lidar com o desconhecido a todo o momento, proporciona o maior crescimento da inteligência, na sua maior profundidade. Adquirimos um tipo de inteligência que nos permite abordar cada situação como única, tendo uma percepção mais límpida, sem nenhum tipo de limitação originada pelo passado e pela experiência. Agimos assim com total liberdade, sem nenhum tipo de condicionamento do passado. E por isso mesmo a nossa mente acaba por ser mais perspicaz e mais criativa. Liberta-se dos bancos de memória e respectivo conhecimento, agindo assim de forma mais livre e mais concentrada no momento presente.

A meditação permite uma canalização total da nossa atenção para o momento presente, afastando-nos das dimensões psicológicas do passado e do futuro. Torna-nos seres menos automáticos e mais autónomos, com espírito verdadeiramente crítico e independente de factores externos. Aumenta a nossa performance como seres humanos, pois tornamo-nos mais seguros, concentrados, livres, criativos e genuínos, permitindo também uma experiência mais profunda do fenómeno da vida.

segunda-feira, 10 de agosto de 2009

Zambujeira do Mar

Ao longo da recortada costa Vicentina encontra-se uma mística e mítica terra, algures entre Vila Nova de Mil Fontes e Odeceixe, terra esta que alia o seu carácter paradisíaco a um espírito itinerante que a inunda alguns dias por ano, por alturas da primeira metade do mês de Agosto. Junto a uma lindíssima costa escarpada, banhada pelas agitadas ondas duma água gélida (na humilde opinião de um madeirense, oriundo duma terra onde as águas do mar são ternas), jazem casas alentejanas, brancas como a cal, moradias de pessoas amigáveis, e cujo calor humano se alia a uma abertura de espírito que se deve em parte ao fluir das pessoas que se deslocam a este mundo por alturas do festival Sudoeste.

O dia na Zambujeira nasce tarde, devido às andanças tardias do dia anterior. Mas quando nasce, os exércitos enchem as ruas e as lindas praias, rodeadas por rochas laminadas. O sol quente e o calor humano aquecem este mundo até o astro-rei pousar a meio da tarde, altura em que todos migram de volta para o festival. Nas praias ficam as pranchas de surf, e nas ruas ficam espíritos livres com seu negócios de roupa, bijuterias e todo o tipo de acessórios, com música e sorrisos. A música e alegria estendem-se no tempo e no espaço, até que a magia adormece sob o brilho da lua, para renascer feita fénix com os raios de sol do final da manhã seguinte.

Uma semana por ano a magia nasce numa terra já por si mágica. A vida liberta-se nas ruas deste labirinto com mil e uma estradas e um milhão de sorrisos, para mais tarde deitar-se nos lençóis da paz e do sossego, caindo num sono de muitos dias e muitas noites.

sexta-feira, 7 de agosto de 2009

Uma arte humanista

Cantores, pintores, poetas, escultores, músicos... estes e outros tipos de artistas já contribuem pela sua natureza para o enriquecer da cultura e da vivência humana. Só a sua existência é suficiente para dar côr aos nossos dias. Sinto gratidão para com estas pessoas por algo que lhes é natural, que é a expressão da sua alma. Mas apesar dessa expressão ter um impacto positivo na vida das pessoas que as rodeiam, não deixa de ser uma expressão com origem num comportamento egoísta. Não digo egoísta num sentido negativo, pois nem sempre é negativo ser egoísta. Não somos todos um pouco? É egoísta na medida em que é uma acção que visa dar-lhes prazer, mesmo tendo em conta que dá côr à vida dos que os rodeiam.

É tendo isto em conta que subo a parada no que toca à avaliação dos artistas: (quase) todos o fazem porque o sentem, porque faz parte deles, sendo que a consequência é um enriquecimento do mundo em que vivemos. Quando digo que subo a parada na avaliação dos artistas, digo isto porque há alguns artistas que não se limitam a exprimir o que lhes vai na alma, sendo que também tentam ir além disso contribuíndo de outras formas para esse enriquecimento do nosso mundo.

Um desse grupo de artistas é um grupo composto pelo Chris Martin, pelo Jonny Buckland, Guy Berryman e Will Champion, também conhecidos como Coldplay. Enquanto que muitas outros artistas, e sem de alguma forma os menosprezar, se limitam a expressar o que lhes vai na alma (o que é algo que já considero monumental), os Coldplay tentam usar a sua fama e sucesso como ferramenta para ir além disso e tornar melhor o mundo onde vivemos.
Esta banda é sem dúvida uma banda de grande sucesso a nível mundial. No entanto, não deixou o dinheiro e a fama subirem ao topo da cadeia alimentar do sucesso, relegando para lugares mais baixos os seus princípios. Os coldplay mostraram-se comedidos, por exemplo, no que toca à utilização comercial dos seus produtos: recusaram contratos publicitários de milhões de euros com marcas de nível mundial para a utilização de algumas das suas músicas, por considerarem que estariam a vender o verdadeiro significado das músicas. Os Coldplay doam também 10% de todos os seus lucros para a caridade, o que é um valor extremamente significativo, tendo em conta o grande sucesso da banda. Finalmente, a banda, e especialmente o seu líder Chris Martin, estão intimamente associados à campanha de Comércio Justo, ou Make Trade Fair. Esta campanha, apoiada pelos activistas ingleses, é uma campanha que pretende contrariar a tendência centralista e capitalista que movimenta o comércio mundial nos dias de hoje. Pretende defender os direitos dos comerciantes mais pequenos e locais face às grandes multinacionais. É uma iniciativa que o vocalista da banda faz questão de tornar pública nos seus concertos, e evidenciar, recorrendo a uma decoração no seu punho, ou uma pulseira, chegando mesmo a expor explicitamente a filosofia no início dos seus concertos.
Venho por este meio tornar pública uma ovação de pé, uma vénia, e uma grande salva de palmas, a estes embaixadores do humanismo, e a todos aqueles que tentam através das suas acções tornar este mundo um local mais justo.

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

Zeitgeist

O que é o Zeitgeist? Este é um termo alemão que pode ser definido como "espírito da época", dizendo respeito a uma determinado clima intelectual e/ou cultural de uma determinada época. É a estrutura de pensamento em vigor em determinado tempo histórico. Esta abordagem da psicologia de uma era assenta em parte na lei da parcimónia de Ockham, abordagem simplista segundo a qual um fenómeno pode ser descrito de uma forma simples e assente apenas nas ideias estritamente necessárias. Assim como a "navalha de Ockham" defende uma visão geral da realidade, assente nas premissas mais básicas, o Zeitgeist reduz a forma de pensar de uma determinada época a princípios em vigor que são predominantes. Nem a lâmina de Ockham nem o Zeitgeist negam a existência de outras premissas, afirmando apenas que existem algumas predominantes. Suponhamos que falávamos do mundo em que vivemos na actualidade: poder-se-ia dizer que vivemos num mundo assente no dinheiro. Claro que o mundo não assenta apenas no dinheiro, pois há muito mais coisas que motivam as pessoas, mas é inegável que o dinheiro assume uma influência muito grande na forma das pessoas pensarem, pois todas as escolhas que fazem tem no fundo a ideia de que precisam de gerar dinheiro para satisfazer as suas necessidades. Portanto, aplicando o princípio de Ockham e procurando descobrir o nosso Zeitgeist, reduziríamos a nossa forma de pensar a pontos-chave, entre os quais o dinheiro.
Temos como exemplos de Zeitgeists em vigor ao longo da história da humanidade o Iluminismo, corrente cultural/intelectual com origem no século XVII. De acordo com o espírito iluminista, o ser humano possui em si as capacidades - racionais e de introspecção - necessárias para tornar este mundo um mundo melhor. Este movimento foi marcado, entre outros, pelo grande pensador alemão Immanuel Kant. Podemos também tomar por exemplo o surgimento do período do renascimento, por volta do final do século XIII, onde se substituíu uma estrutura mais feudalista por outra mais capitalista, e onde floresceram ideiais humanistas e naturalistas.
Mas então e qual é o nosso Zeitgeist? Se repararmos, tanto os períodos referidos como outros períodos históricos, são geralmente tornados conscientes e analisados após o seu final. Assim como um peixe não tem (metafóricamente falando) consciência do que é o mar, pois não se consegue colocar fora dele para o presenciar, é-nos extremamente difícil sair da nossa estrutura de pensamento vigente e analisá-la duma forma global. Apenas um ser extra-terrestre que não pensasse como nós poderia chegar ao nosso planeta e traçar um plano geral da nossa forma de pensar e da nossa estrutura social. Será mesmo assim?
Não nos será possível usar a lâmina de Ockham e simplificar a realidade observada de forma a traçar um panorama do que se passa no nosso mundo? Qual é o nosso Zeitgeist? Será que teremos de esperar décadas ou mesmo séculos para conseguir resumir a nossa forma de pensar? Como será que, daqui a vários séculos, os estudiosos irão encarar a época que vivemos agora? Como a irão analisar e resumir?