domingo, 20 de janeiro de 2008

Os idiotas

Somos seres pensantes, disso não há dúvida. Questiono-me todos os dias de que nos vale esse potencial no que toca ao nível mais fundamental da vida. Claro que não me refiro ao nível da aquisição e melhoria do conhecimento, nem ao nível de algumas formas de comunicação superficiais como as que utilizamos hoje em dia. Refiro-me ao nível das relações. Ao nível das relações com aquilo que nos possuímos - ou nos possui -, ao nível da relação com aquilo de que fazemos parte - a natureza -, e ao nível das relações com os outros - aquilo que faz de nós humanos. As relações dão sentido à vida, e a vida é feita de relações.
O pensamento é uma ferramenta sofisticada e complexa, de enorme valor, que nos permite através da aquisição de conhecimento melhorar o nosso bem-estar exterior. O pensamento leva a uma melhoria da nossa vida física, o que concerteza abre caminho a um bem-estar mental ou espiritual. No entanto, de nada nos serve ter a porta aberta se não a atravessamos.
O pensamento permite a existência da linguagem, que possibilita a transmissão de conhecimentos, e a acumulação de todo o tipo de informação acerca de nós próprios a um nível material, e um sem fim de técnicas que nos permitem embelezar a vida, através da pintura, da música, da poesia. No entanto, não me parece sábio transformar esse acessório que é o pensamento numa obsessão.
Acabamos por viver num mundo de ideias que chamamos de realidade. Como seres pensantes e simbólicos, criamos e copiamos ideias, que servem de orientação ao nosso percurso de vida, às nossas decisões, ao nosso pensamento. Os mais empenhados dedicam-se a um processo de polimento dessas ideias, até que se tornem ideais. Mas as ideias deturpam a visão, e os ideais destroem a realidade. Devemos ter muita cautela com a adopção de ideais se queremos melhorar a realidade, pois ao olhar o mundo segundo um prisma idealista não o vemos como é, vemos como gostaríamos que fosse, e ao nos recusarmos a aceitar a realidade como é, nunca a poderemos mudar.
Vivemos constantemente de acordo com padrões de pensamento estabelecidos por outros e aceites por nós, por vezes aprimorados por nós, e o seguimento contínuo desses padrões limita a nossa forma de encarar o mundo e abordar a vida. Um político abre os olhos e vê: comunistas, democratas, socialistas. Um religioso abre os olhos e vê: católicos, hindus, ateus. A ideia que eu adoptei como minha, contra a ideia que tu foste formatado para aceitar como tua. Eu fecho-me na minha ideia, tu fechas-te na tua ideia. Eu olho para o rótulo que criei de ti, e tu continua a ser preconceituoso, por favor.
E no meio disto tudo, onde está a capacidade de ver o ser humano por detrás das ideias? Se eu me assumir como materialista, recuso-me à possibilidade de existência de algo não material. Se for racionalista, não aceito nada que não possa ser validado pela razão. E por aí adiante...
Deixemo-nos de ismos e de istas... cada ideal ou crença fecha uma janela para a realidade da vida. Cada padrão que assumimos para guiar o nosso pensamento distorcerá a nossa capacidade de encarar a vida como ela é: misteriosa, imprevisível... e impedir-nos-á de viver da forma mais plena: momento a momento.
Dizem que somos inteligentes, e dizem que somos conscientes. Mas todas essas capacidades, de nada nos valem se continuarmos a perder-nos entre o nevoeiro das ideias pre-concebidas. Tudo se resume a uma questão de preconceito. Mas não preconceito no sentido vulgar da palavra, e sim no sentido mais puro - olharmos e acharmos que sabemos porque já tínhamos pensado e decidido que assim era.

sábado, 12 de janeiro de 2008

Conclusão

O que é a idade?
Será sinónimo de envelhecimento? De crescimento? De maturidade? De sabedoria?
Esse contador genético e cronológico do nosso ser não vai além das camadas superficiais corpóreas. O tempo passa, mas a vida não passa. A vida encontra-se eternamente presente, à frente dos nossos olhos, em frente ao nosso coração. Quando temos essa capacidade de abrir o nosso ser à constante vida à nossa volta, o envelhecimento pára. As células crescem a morrem, mas a mente e o espírito imortalizam-se e ganham uma força... uma forma interminável de viver, de absorver cada segundo da dádiva que nos rodeia...
O tempo é um indicador de crescimento ao longo da aventura da nossa vida. É o amadurecer do espírito eternamente jovem e sedento de sentimento. Que aprendizagem é a vida! Que inspiração é viver!
À medida que o corpo cresce na dimensão do tempo, o espírito ilumina-se na dimensão intemporal... busca... e aprende... a aproxima-se do berço da vida.
Essa aprendizagem trás-nos a sabedoria de tudo o que é mais importante no universo... o amor. A ética de emanar amor, amizade, carinho. A capacidade de abrir o coração ao retorno desse mesmo amor, dessa mesma amizade. A realização de nos sentirmos plenos.
O mundo somos nós, nós somos os outros, somos todos o mesmo. Somos uma cadeia infinitamente interconectada de amor, de relações e aprendizagens, de partilhas e crescimentos. Vivemos para nos abandonarmos a nós e nos entregarmos aos outros, e essa é sem dúvida a maior das lições que a Vida tem para nos oferecer.

domingo, 6 de janeiro de 2008

Corações de pedra

O que é o amor afinal?
Será que sabemos amar?
Ou será que somos o único grão de areia na duna da vida que vive desprovido de amor?
Usamos e abusamos da palavra amor
Vulgarizamos o amor, quando é algo que não pode ser transmitido por palavras
algo que não pode ser compreendido pela linguagem
Chamamos de amorosas relações que transbordam conflito e ciume
Temos uma visão distorcida do amor, ou da possessão a que chamamos amor
No dicionário da vida, o sinónimo de amor é liberdade
e amar é brindar com liberdade o objecto do nosso amor
O amor é uma luz que é emitida sem espectativa de retorno
é um brilho de admiração e cumplicidade que é tudo menos uma prisão
Amar alguem é como contemplar uma flor que dança ao sabor do vento
é observar e sentir uma comunhão, sem destruir a beleza do que amamos
é uma partilha de existência num momento intensamente presente
O calor do amor emana sem direcção definida,
contagiando tudo o que nos rodeia com esse desabrochar do nosso ser
O amor surge quando silenciamos o pensamento
e abrimos o coração, transbordando uma energia
que nos une silenciosamente ao próximo
É o estado de espírito supremo, a realização máxima de um ser
É o regresso à paz connosco próprios e com os outros

Não me parece que saibamos realmente o que é amar...

quinta-feira, 3 de janeiro de 2008

Icosaedros humanos

O que é ser verdadeiro? O que é ser genuíno, autêntico?
Se obervarmos o nosso comportamento e o dos outros, reparamos que todos adquirimos diferentes padrões de comportamento, dependendo do contexto em que nos inserimos. Perante pessoas de níveis sociais diferentes, de níveis hierárquicos ou grupos sociais diferentes, de sexos diferentes, etc...
Qual será a origem de tal postura? Será uma necessidade de aceitação e integração? Serão diferentes níveis de interesse nos diferentes ganhos que as pessoas têm para nos oferecer?
Todos nós temos diferentes faces, todos nós temos diferentes posturas perante o que nos rodeia ao longo dos nossos dias. Hoje sou rebelde, amanhã sou melancólico, ontem fui apaixonado... Diferentes estados de humor nos assolam constantemente, diferentes facetas do nosso ser. Isso não me parece de todo errado, temos de aceitar e exprimir todos os sentimentos que vêm do âmago do nosso ser.
A questão coloca-se quando mudamos de atitude com base em factores externos. Quando mudamos a nossa postura, não com base em nós próprios, mas tal qual camaleão que tenta passar despercebido no meio em que se insere. Sim, porque a maioria de nós não passa de camaleões que tentam camuflar-se, sendo iguais aos outros, sendo 'normais' e passando despercebidos. Assim como o camaleão teme ser encontrado pelo predador, nós tememos destacar-nos... por medo de rejeição? Por interesse?
Com tantas pessoas e situações diferentes, não me parece que ser um camaleão seja uma boa opção. O camaleão fá-lo automaticamente e inconscientemente, está na natureza dele. Fá-lo de forma harmoniosa, sem ter de reprimir nada do seu ser. No nosso caso o que se passa é mais um caso de esquizofrenia crónica, de múltipla personalidade com base no medo. Esse medo afasta-nos da integridade, da capacidade de sermos unos, de nos centrarmos em nós próprios e sermos autênticos a cada momento.
Não somos camaleões, somos humanos... ou pelo menos teoricamente. Somos todos absoluta e maravilhosamente diferentes, e cometemos o profundo suicídio de aniquilarmos o nosso ser na pretensão de sermos algo diferente. Mas enquanto não nos conhecermos e aceitarmos... enquanto não nos amarmos... não conseguiremos exprimir com liberdade o nosso ser.
Um arbusto não tenta ser uma árvore, e por isso é feliz. Um mar não tenta ser um oceano, e aí reside a sua felicidade. A lagarta não se transforma em borboleta pelo querer, o rio não chega ao mar por vontade. Tudo existe por uma razão, a razão de ser, com naturalidade. Tudo tem um caminho traçado: o encontro com essa sua razão de ser. Todo o universo se encontra alinhado consigo próprio, excepto o ser humano, que busca algo mais que si próprio, e se afasta dessa razão de ser.
Enquanto não nos encaixarmos no puzzle, enquanto não procurarmos o nosso oceano, não seremos felizes, e só será possível esse regresso a nós próprios quando conhecermos a nossa face original, deixando cair todas as máscaras.