segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

Ensaio sobre a cegueira

Até onde somos capazes de ir por um pedaço de pão?
Até que profundezas somos capazes de descer de forma a satisfazer os nossos instintos mais básicos?
Que transformações podem operar em nós quando aquilo que tomamos como garantido se desvanece mais rápido do que o poder de assimilação da nossa mente e coração?
Que mudanças transmutam o ser humano quando o medo da inexistência vem com o nascer do sol?

Somos animais, disso não há dúvida. E como animais, prezamos acima de tudo a nossa sobrevivência, como indivíduos e como espécie. E daí a valorização por alguns aceite, por alguns reprimida e escondida, da comida e do sexo. Mas a verdadeira natureza do Homem surge quando ameaçado. Quando a sua materialização está em perigo, aí sim se vê quais são as suas prioridades. Quando o medo de poder não ser é tão forte, as necessidades mais básicas assumem proporções interestelares, para não dizer infinitas. Uma migalha de pão ergue-se perante a maior das estrelas, enfrentando-a.
No entanto, nem toda a gente reage da mesma forma ao medo. Será que esses estereótipos de bondade e altruísmo têm existência própria ou são material de filmes e de sonhos? Será que há pessoas que abdicam da sua própria presença neste mundo em prol do próximo, ou acontece que apenas ainda não encontraram a ausência certa de migalhas que os façam confrontar o medo?

Eu pessoalmente acredito que tal bondade pode nascer no coração humano. Tal como a flor de lótus nasce da lama quando as condições certas surgem, muitas flores podem nascer dentro de nós quando o medo desaparece, quando o egoísmo se evapora. Apesar disso, e perante o estado actual das coisas, parece-me mais fácil encontrar um trevo de quatro folhas... no deserto. Não digo que a bondade não exista neste mundo, e no nosso mundo. Vejo actos de bondade, de amor, gestos de grande beleza... raramente, mas vejo. Nas raras vezes em que o medo desaparece dos nossos corações, surge uma flor. E já sendo tão raras essas vezes, não seriam tão mais raras se a nossa vida dependesse do egoismo?

Somos animais, mas somos humanos. Somos como os outros animais, mas não somos exactamente como eles. Possuímos o dom da consciência, a linguagem universal do amor. Mas essas qualidades têm de ser cultivadas, ou não passaremos de abutres a sobrevoar um naco de carne, egoistas, à espera de uma oportunidade.

O facto de vivermos numa sociedade (e agora falo de nós, países mais desenvolvidos) em que temos acesso a muito por pouco faz com que a nossa valorização das coisas decresça. Sermos confrontados com os nossos medos, como o medo de morrer à fome ou o medo de não voltar a ver, faz-nos pensar e reavaliar prioridades. O cego que deixa de ser cego absorve cada partícula de luz como se fosse a última, assim como aquele encontra um copo de água no fim do deserto deixa cada gota dançar na sua boca. Estamos tão acostumados a tudo que não nos imaginamos com nada. E quando o nada surge, surge também o medo. E é esse medo que nos torna na nossa metade inferior: animais.

Discuto a natureza humana. Mas eu não conheço a natureza humana. Apenas conheço a natureza que o humano mostra. Discuto a realidade, e a realidade é triste, é pobre, é violenta. Mas isso não quer dizer que a realidade seja a natureza. Acredito que há mais, espero que haja mais.

domingo, 29 de junho de 2008

Os ilusionistas

Para começar, o que é o pensamento?
O pensamento é o processo de associação de ideias, com base num conhecimento pré-existente. Relaciona ideias com base num conjunto de pressupostos (crenças, valores, etc.). Esse conhecimento é forjado pela educação, pela cultura, pelas regras e padrões sociais, e define a forma como pensamos. O pensamento nunca é livre e nunca é objectivo, é extremamente rígido. Acaba por ser uma fenómeno de associação de ideias que não é nosso, mas sim do resultado 'evolutivo' de um embate de ideias ao longo da presença do Homo Sapiens Sapiens no oasis terrestre.
As fronteiras do pensamento definem as fronteiras do comportamento e as fronteiras da vida (ou antes, da nossa visão da vida), e esse modelo imposto do exterior limita a forma como experienciamos a realidade, de uma forma que faz surgir um fosso abismal entre a essência da realidade e essa rede complexa que forma aquilo que julgamos ser a nossa identidade (aquilo a que Kant chamaria de incognoscibilidade do real).
O pensamento não é a nossa identidade, não somos nós, é apenas o repositório de todo o lixo e entulho incutido pela chamada educação, que acaba por ser uma deseducação que impões limites ao nosso espírito. David Hume estava certo quando disse que o sentimento de Eu derivado das ideias (da sua associação) é um sentimento ilusório, pois a nossa verdadeira identidade é a nossa essência imutável, a consciência que se mantém desde que surge o primeiro sopro de vida dentro de nós até o suspiro do relaxamento final.
A sociedade pensa através de nós, e esse fenómeno compulsivo e constante de pensamento leva à criação duma identificação muito sólida e enraizada com esse mesmo pensamento, que nos leva a olhar tudo o que nos rodeia através desse prisma socialmente condicionado: olhamos tudo através dos valores instituídos. A nossa relação com os outros torna-se uma constante comparação entre tudo o que nos rodeia e aquilo que a sociedade tem definido como 'bom' ou 'mau'. E isto leva a que não consigamos experienciar nada directamente e de forma pura, nem aceitar e valorizar as coisas pelo que são, em vez de as avaliar pela distância a que se encontram do que está definido como 'certo' - está é a grande consequência da tirania do pensamento ao nível da qualidade da nossa experiência.
À nossa volta tudo é belo e tem um valor intrínseco, e não podemos detectar esse valor se estivermos sempre a comparar com algo (com outra pessoa, com um ideal, etc.). E o pensamento é a névoa vinda da sociedade que deturpa a nossa percepção e leva a esse afastamento da beleza da vida. Mas a raiz dessa influência negativa não vem, em última instância, da sociedade. E porquê? Porque a sociedade não existe, é apenas um conceito abstracto sem concretização material.
Esse problema tem a sua origem na própria mente e no próprio pensamento. Este, por ser automático e condicionado pela experiência, assume o controlo da nossa vida (percepções e acções) de forma inconsciente (não num nível inconsciente inacessível, mas num nível quase consciente). A única forma de ultrapassarmos este problema da existência humana é através do autoconhecimento e da consciencialização desses processos automáticos. A chave está na compreensão do nosso pensamento, no conhecimento da nossa mente, e na transcendência dessa mesma mente e desse pensamento.
Quando partimos do inconsciente rumo à consciência, a névoa do pensamento dissipa à medida que é compreendida... E aí há a hipótese de se conseguir um relance da vida e da realidade. Aí podemos começar a ver as coisas cada vez mais como são, e cada vez menos como 'deviam ser'.

quarta-feira, 14 de maio de 2008

Eu sou, tu és, todos somos

Vivemos num mundo de relações instáveis, num mundo onde é vulgar encontrar relações que se afundam nas profundezas dum mar escuro e infestado de medos, afastando-se do ar fresco da amizade, da luz do amor, da paz...
E o grande problema, na minha opinião, é que somos seres doentes, e um ser doente não tem a capacidade de construir algo tão belo como teria se fosse saudável - neste caso uma relação com outro ser. Quando falo de doença, não me refiro a uma doença física, ou a uma doença mental, mas mais a uma doença espiritual. Claro que quando todas as pessoas são doentes da mesma forma, a doença passa a ser a sanidade, passa a ser a saúde. Tendemos a encarar os desvios como algo que precisa de ser corrigido, de forma a se assemelhar mais à média. E tendemos a encarar o vulgar como normal, e aceitá-lo. A nível físico atingimos um grau de relativo bem-estar (isto para não falar nas grandes disparidades que encontramos pelo mundo fora); a nível mental a nossa insanidade é considerada normal, porque somos todos insanos, e porque escondemos a nossa insanidade para fazer uma sociedade resultar, e vamos sobrevivendo como espécie... mas será que tem mesmo resultado? Olhemos à nossa volta...
Portanto, abandonando essa visão comum, de que o que é partilhado por todos é normal, vamos adoptar uma visão mais objectiva do que considero ser um problema.
Vivemos numa grande instabilidade interior, constantemente num grande tumulto, numa desintegração extrema. Só que para nos apercebermos destes nossos problemas exige-se uma profunda auto-obervação e autoconhecimento, mas o mais alheios possível à influência cultural. Se olharmos pelos olhos da sociedade vamos ver algo normal, porque é igual à maioria. Se olharmos de uma forma mais transcendente vamos ver algo que precisa de ser curado. Este algo passa facilmente despercebido, porque exigem um olhar profundo.
De que falo então...?
Falo de todas as barreiras psicológicas que deturpam o nosso espírito. De todas as formatações que impedem a exteriorização do nosso ser (vulgarmente chamadas de Superego). Essas limitações, que no fundo são auto-impostas (ou permitidas por um estado passivo e inconsciente) impedem-nos constantemente de mostrar aquilo que temos dentro de nós. Temos medo de fazer má figura perante os olhos dos outros, de ser considerados estranhos, de ser de certa forma 'rejeitados', no geral temos medo de qualquer reacção negativa por parte dos outros. E seguir aquilo que é a regra aproxima-nos da certeza de sermos considerados normais, afastando-nos no entanto dum estado interior consolidado. Temos medo do que nos possa acontecer no futuro, temos medo do que nós irá acontecer no futuro que nos vá causar dificuldades, temos medo do que nos aconteceu no passado (falo de todos os acontecimentos negativos que nos marcam e por vezes continuam a atormentar), temos medo de morrer... é um sem fim de facetas de um medo que ensombra a natureza do ser que temos dentro de nós.
É a este medo generalizado que eu chamo de doença. No entanto acredito que esta doença tem uma cura. Só que para o desespero (no melhor dos casos, porque isso significaria uma vontade de melhorar), conformismo ou negação daqueles que buscam a felicidade e auto-realização no exterior, este cura não pode ser conseguida através de nenhum especialista, de nenhum auxílio externo. Esta cura, que é uma auto-cura, só funciona se nos conhecermos, conhecendo assim aquilo que tem de ser enfrentado.
Tudo isto para chegar à seguinte conclusão:
Não podemos construir um castelo sobre areias movediças. Descontextualizado? Não. Não podemos construir nada sólido sobre algo que não seja sólido também. Não podemos partir numa jornada de compreensão dos outros, se não nos compreendermos a nós próprios. Não podemos partir numa aventura de amar alguém, se não nos amarmos a nós próprios. E aqui está a chave para o problema das relações: a falta dessa integridade interior, para que possamos partir para o desafio de uma relação com outra pessoa. Um ser instável interiormente, um ser doente, não consegue relacionar-se de forma pura com outro ser, consegue-o apenas duma forma superficial e egocêntrica. Antes de iniciarmos uma dessas aventuras de amizade ou amor, devemos preparar-nos para a longa viagem. E aqui não se trata de nos munirmos de provisões para o caminho, mas sim de de nos construírmos como seres unos, íntegros, sãos, o que depois se reflectirá na relação. É fundamental deixarmos de focar o exterior como causa dos nossos problemas, temos de focar mais aquilo que mais está ao alcance de ser trabalhado, e que neste caso é aquilo que mais precisa de ser trabalhado: o nosso ser interior.
Quando partimos para uma relação sem preparação (o que também é importante ao início, porque nos dá aprendizagem, nos permite mais tarde melhorar - embora muitos se recusem em aprender) os conflitos estão destinados a acontecer. Um ser doente junta-se a outro ser doente, e a doença multiplica-se. Dois seres tão pouco consolidados fazem com que uma relação desmorone tal qual castelo de cartas. Dois seres instáveis constroem relações de posse, de ciúme... no fundo relações abaladas constantemente por diversas facetas do medo.
Quando partimos para uma relação após o devido crescimento pessoal (atingiremos alguma vez um patamar 'suficiente'?), há a hipótese de se criar um espaço belo de troca sem agressividade, de liberdade. Pode cultivar-se um jardim onde muitas vezes floresce a amizade e o amor.
O mundo em que vivemos é feito de relações, e vale a pena mais uma vez enfatizar que a única forma de mudar o mundo é mundando-nos a nós próprios, porque o mundo não pode ser mudado directamente - o mundo é uma abstracção. O mundo é constituído por biliões de relações, e nós só nos podemos mudar a nós nessa relação constante. O mundo não pode ser mudado, e não devemos tentar mudar o próximo, porque não temos esse direito, e porque só o outro se pode mudar a si próprio. Podemos sim, abrir uma janela na sua mente e no seu espírito, uma janela para a mudança... e se esse próximo optar por colocar a cara de fora da janela e inspirar a doce fragrância do crescimento pessoal, pode ser que decida dirigir-se para a porta, transpô-la, e relacionar-se com o mundo.
E se compreendermos isto e mudarmos, já o mundo terá melhorado, já a relação com o outro terá mudado, e já o outro terá consequentemente mudado.

quarta-feira, 9 de abril de 2008

The silence...

"There is a pleasure in the pathless woods;
There is a rapture on the lonely shore;
There is society, where none intrudes,
By the deep sea, and music in its roar:
I love not man the less, but Nature more..."
Lord Byron

Há um profundo prazer que paira no ar que inunda os caminhos ainda não trilhados pelo Homem; Há uma felicidade extrema no percorrer dum caminho nunca percorrido, um caminho de mistério, desprovido de ambição, desprovido de um objectivo além do próprio caminhar. No deambular sem busca está a paz, na aceitação do desconhecido está a aventura da vida: o beijo constante da felicidade.
Há um êxtase na costa solitária, o florescer de um silêncio que só pode ser atingido quando o Homem atinge a integridade de conhecer-se e aceitar-se, derivada da capacidade de estar apenas consigo, livre.
Há a sociedade, da qual o prazer profundo e o êxtase se afastam. Há essa sociedade, cujas amarras prendem a consciência do Homem e removem a sua liberdade. Há todas essas regras vãs, todas as normas fúteis, todas as leis ocas que destroem a espontaneidade do Homem. Toda esse rede burocrática moral, social, cultural, confunde e impede de ver a derradeira lei: a lei do amor. E com o amor vem o respeito, a compreensão, a paz e a justiça. Vem uma aceitação do outro em todas as suas diferenças, por mais diferentes que sejam, um respeito pelo seu ser.
O amor é natural, o amor é a natureza, é o regresso de cada ser vivo, de cada átomo, ao seu papel de igualdade perante tudo o que o rodeia. Se somos iguais respeitamos e aceitamos; se aceitamos e sentimos que somos aceites indiscriminadamente, somos livres; é natural...
Na gélida brisa por entre o ar rarefeito e o silêncio das grandes montanhas. Voando sobre os verdejantes vales, percorridos por rios de água pura e cristalina, e riachos que cantam o amor. O desembocar num mar vasto e profundo... Aí está a felicidade. No abraço constante desse mesmo mar, cuja espuma acaricia a areia, compondo uma sinfonia que desperta a paz dentro de nós. No brilho das folhas que dançam ao sabor do vento. No infinito de amarelos, vermelhos e laranjas que emana um pôr-do-sol... Aí está a felicidade. A harmonia desse estado natural e neutro desperta em nós um silêncio interior.

Não gosto menos do Homem, mas mais da natureza.

sábado, 15 de março de 2008

Unity

Que bom é entregarmo-nos totalmente ao momento, sem receios nem inibições. Que extasiante é comunicarmos com o próximo, sem medo, fundindo as nossas almas. São tão raros os momentos em que se vivencia tal liberdade. E porque? Porque é tão difícil sermos apenas nós próprios? Porque é tão difícil sermos transparentes, autênticos, sinceros, genuínos, livres... Porquê tanta dificuldade em transpor as barreiras invisíveis, ilusórias, do medo?
Quanto mais conhecemos as camadas mais profundas do nosso ser, quanto mais sedimentamos, quanto mais nos integramos, solidificamos e condensamos, maior é a coesão. E quanto maior a coesão, maior a segurança. E quanto mais seguros somos, maior a protecção contra a erosão das pressões sociais. O escudo do nosso auto-conhecimento reflecte os raios do medo de volta...
Mas de volta para onde?
Esse medo não provém do exterior, mas sim de dentro de nós, e somos nós que permitimos o crescimento dessa erva daninha interior. A própria pressão social cresce e fervilha dentro de nós, não é exterior, é ficção. A nossa necessidade de nos sentirmos seguros e integrados leva-nos a copiar os outros e aliar-nos ao rebanho, moldando o nosso ser. Essa necessidade constante de ajustamento é o medo profundo que nos limita permanentemente e nos impede de sermos transparentes. E essa fricção eterna entre o que somos lá no fundo e o que julgamos ter de ser para nos adaptarmos e não sermos rejeitados... essa pressão é um fardo gigantesco que cada ser humano carrega ao longo da sua vida. Não admira que não consigamos ser verdadeiramente felizes, profundamente e constantemente felizes, quando vivemos em constante (apesar de inconsciente) esforço.
Será possível solidificar o nosso ser a tal ponto, que nos tornamos livres de sermos quem já somos? Será possível fazer a vida pulsar com tal intensidade nos nossos corações, que se cria uma barreira que não é uma barreira, mas sim uma ponte. É uma barreira porque nos protege de nós próprios, das limitações que nos auto-impomos, do medo... mas é também uma ponte. É uma ponte para os outros, uma porta para o amor, uma janela que se abre para a vida e dá a conhecer o céu da liberdade.

segunda-feira, 3 de março de 2008

My plastic heart cannot love

O meu amor é como um rio. Um rio tão vasto cujas margens se encontram fora do alcance de qualquer olhar, tão extenso cuja foz se encontra a um milhão de anos-luz da nascente. A força da corrente possui em si a força de mil paixões, e a vida brota dentro das suas águas. Mas o rio é travado por uma barragem, e a barragem é o medo. O medo é essa barreira que transforma o rio numa energia diferente, transforma o amor em algo que muitos chamam de amor.
Mas o verdadeiro amor apenas existe quando o rio atinge a eternidade do oceano. Apenas quando o rio se abre para o mar, e se relaciona com o todo, com o próximo, existe amor. O meu coração é a nascente de um rio chamado amor, e esse rio é do tamanho do universo. A energia desse rio pulsa continuamente e pede para eclodir. Mas falta a fórmula, a chave, que liberta o coração das garras do medo, que fará o meu ser explodir numa supernova infinitamente brilhante, com um leque de cores inimaginável, e um aroma adocicado a paz e liberdade.

sábado, 9 de fevereiro de 2008

Sem título

Sonho com um estado de liberdade total. Um estado onde a dor de existir dê lugar à compreensão da felicidade inerente à vida. Um lugar onde o pensamento surge... mas não predomina, pois fá-lo o coração. E o pensamento presente é incondicionado, quebra as amarras de todos os medos humanos, e permite a expressão total do ser, livre...
Sonho com uma vida onde toda a falsidade se desmorona, e onde no simples facto de transparecermos de forma límpida aquilo que somos reside a realização das realizações.
Mas com a maior das liberdades, vem a maior das responsabilidades. E com a liberdade de ser, vem a responsabilidade de ser realmente livre. O que implica a responsabilidade de nos desapegarmos... A capacidade de, após uma entrega total ao momento presente, nos deixarmos morrer para o passado, para o que não é real. Tornamo-nos assim independentes de tudo, e o nosso estandarte passa a ser o presente.

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008

Reflexão

Muitas batalhas o Homem trava nas planícies da vida...
Mas a maior das derrotas é sem dúvida abdicar de si próprio.

domingo, 20 de janeiro de 2008

Os idiotas

Somos seres pensantes, disso não há dúvida. Questiono-me todos os dias de que nos vale esse potencial no que toca ao nível mais fundamental da vida. Claro que não me refiro ao nível da aquisição e melhoria do conhecimento, nem ao nível de algumas formas de comunicação superficiais como as que utilizamos hoje em dia. Refiro-me ao nível das relações. Ao nível das relações com aquilo que nos possuímos - ou nos possui -, ao nível da relação com aquilo de que fazemos parte - a natureza -, e ao nível das relações com os outros - aquilo que faz de nós humanos. As relações dão sentido à vida, e a vida é feita de relações.
O pensamento é uma ferramenta sofisticada e complexa, de enorme valor, que nos permite através da aquisição de conhecimento melhorar o nosso bem-estar exterior. O pensamento leva a uma melhoria da nossa vida física, o que concerteza abre caminho a um bem-estar mental ou espiritual. No entanto, de nada nos serve ter a porta aberta se não a atravessamos.
O pensamento permite a existência da linguagem, que possibilita a transmissão de conhecimentos, e a acumulação de todo o tipo de informação acerca de nós próprios a um nível material, e um sem fim de técnicas que nos permitem embelezar a vida, através da pintura, da música, da poesia. No entanto, não me parece sábio transformar esse acessório que é o pensamento numa obsessão.
Acabamos por viver num mundo de ideias que chamamos de realidade. Como seres pensantes e simbólicos, criamos e copiamos ideias, que servem de orientação ao nosso percurso de vida, às nossas decisões, ao nosso pensamento. Os mais empenhados dedicam-se a um processo de polimento dessas ideias, até que se tornem ideais. Mas as ideias deturpam a visão, e os ideais destroem a realidade. Devemos ter muita cautela com a adopção de ideais se queremos melhorar a realidade, pois ao olhar o mundo segundo um prisma idealista não o vemos como é, vemos como gostaríamos que fosse, e ao nos recusarmos a aceitar a realidade como é, nunca a poderemos mudar.
Vivemos constantemente de acordo com padrões de pensamento estabelecidos por outros e aceites por nós, por vezes aprimorados por nós, e o seguimento contínuo desses padrões limita a nossa forma de encarar o mundo e abordar a vida. Um político abre os olhos e vê: comunistas, democratas, socialistas. Um religioso abre os olhos e vê: católicos, hindus, ateus. A ideia que eu adoptei como minha, contra a ideia que tu foste formatado para aceitar como tua. Eu fecho-me na minha ideia, tu fechas-te na tua ideia. Eu olho para o rótulo que criei de ti, e tu continua a ser preconceituoso, por favor.
E no meio disto tudo, onde está a capacidade de ver o ser humano por detrás das ideias? Se eu me assumir como materialista, recuso-me à possibilidade de existência de algo não material. Se for racionalista, não aceito nada que não possa ser validado pela razão. E por aí adiante...
Deixemo-nos de ismos e de istas... cada ideal ou crença fecha uma janela para a realidade da vida. Cada padrão que assumimos para guiar o nosso pensamento distorcerá a nossa capacidade de encarar a vida como ela é: misteriosa, imprevisível... e impedir-nos-á de viver da forma mais plena: momento a momento.
Dizem que somos inteligentes, e dizem que somos conscientes. Mas todas essas capacidades, de nada nos valem se continuarmos a perder-nos entre o nevoeiro das ideias pre-concebidas. Tudo se resume a uma questão de preconceito. Mas não preconceito no sentido vulgar da palavra, e sim no sentido mais puro - olharmos e acharmos que sabemos porque já tínhamos pensado e decidido que assim era.

sábado, 12 de janeiro de 2008

Conclusão

O que é a idade?
Será sinónimo de envelhecimento? De crescimento? De maturidade? De sabedoria?
Esse contador genético e cronológico do nosso ser não vai além das camadas superficiais corpóreas. O tempo passa, mas a vida não passa. A vida encontra-se eternamente presente, à frente dos nossos olhos, em frente ao nosso coração. Quando temos essa capacidade de abrir o nosso ser à constante vida à nossa volta, o envelhecimento pára. As células crescem a morrem, mas a mente e o espírito imortalizam-se e ganham uma força... uma forma interminável de viver, de absorver cada segundo da dádiva que nos rodeia...
O tempo é um indicador de crescimento ao longo da aventura da nossa vida. É o amadurecer do espírito eternamente jovem e sedento de sentimento. Que aprendizagem é a vida! Que inspiração é viver!
À medida que o corpo cresce na dimensão do tempo, o espírito ilumina-se na dimensão intemporal... busca... e aprende... a aproxima-se do berço da vida.
Essa aprendizagem trás-nos a sabedoria de tudo o que é mais importante no universo... o amor. A ética de emanar amor, amizade, carinho. A capacidade de abrir o coração ao retorno desse mesmo amor, dessa mesma amizade. A realização de nos sentirmos plenos.
O mundo somos nós, nós somos os outros, somos todos o mesmo. Somos uma cadeia infinitamente interconectada de amor, de relações e aprendizagens, de partilhas e crescimentos. Vivemos para nos abandonarmos a nós e nos entregarmos aos outros, e essa é sem dúvida a maior das lições que a Vida tem para nos oferecer.

domingo, 6 de janeiro de 2008

Corações de pedra

O que é o amor afinal?
Será que sabemos amar?
Ou será que somos o único grão de areia na duna da vida que vive desprovido de amor?
Usamos e abusamos da palavra amor
Vulgarizamos o amor, quando é algo que não pode ser transmitido por palavras
algo que não pode ser compreendido pela linguagem
Chamamos de amorosas relações que transbordam conflito e ciume
Temos uma visão distorcida do amor, ou da possessão a que chamamos amor
No dicionário da vida, o sinónimo de amor é liberdade
e amar é brindar com liberdade o objecto do nosso amor
O amor é uma luz que é emitida sem espectativa de retorno
é um brilho de admiração e cumplicidade que é tudo menos uma prisão
Amar alguem é como contemplar uma flor que dança ao sabor do vento
é observar e sentir uma comunhão, sem destruir a beleza do que amamos
é uma partilha de existência num momento intensamente presente
O calor do amor emana sem direcção definida,
contagiando tudo o que nos rodeia com esse desabrochar do nosso ser
O amor surge quando silenciamos o pensamento
e abrimos o coração, transbordando uma energia
que nos une silenciosamente ao próximo
É o estado de espírito supremo, a realização máxima de um ser
É o regresso à paz connosco próprios e com os outros

Não me parece que saibamos realmente o que é amar...

quinta-feira, 3 de janeiro de 2008

Icosaedros humanos

O que é ser verdadeiro? O que é ser genuíno, autêntico?
Se obervarmos o nosso comportamento e o dos outros, reparamos que todos adquirimos diferentes padrões de comportamento, dependendo do contexto em que nos inserimos. Perante pessoas de níveis sociais diferentes, de níveis hierárquicos ou grupos sociais diferentes, de sexos diferentes, etc...
Qual será a origem de tal postura? Será uma necessidade de aceitação e integração? Serão diferentes níveis de interesse nos diferentes ganhos que as pessoas têm para nos oferecer?
Todos nós temos diferentes faces, todos nós temos diferentes posturas perante o que nos rodeia ao longo dos nossos dias. Hoje sou rebelde, amanhã sou melancólico, ontem fui apaixonado... Diferentes estados de humor nos assolam constantemente, diferentes facetas do nosso ser. Isso não me parece de todo errado, temos de aceitar e exprimir todos os sentimentos que vêm do âmago do nosso ser.
A questão coloca-se quando mudamos de atitude com base em factores externos. Quando mudamos a nossa postura, não com base em nós próprios, mas tal qual camaleão que tenta passar despercebido no meio em que se insere. Sim, porque a maioria de nós não passa de camaleões que tentam camuflar-se, sendo iguais aos outros, sendo 'normais' e passando despercebidos. Assim como o camaleão teme ser encontrado pelo predador, nós tememos destacar-nos... por medo de rejeição? Por interesse?
Com tantas pessoas e situações diferentes, não me parece que ser um camaleão seja uma boa opção. O camaleão fá-lo automaticamente e inconscientemente, está na natureza dele. Fá-lo de forma harmoniosa, sem ter de reprimir nada do seu ser. No nosso caso o que se passa é mais um caso de esquizofrenia crónica, de múltipla personalidade com base no medo. Esse medo afasta-nos da integridade, da capacidade de sermos unos, de nos centrarmos em nós próprios e sermos autênticos a cada momento.
Não somos camaleões, somos humanos... ou pelo menos teoricamente. Somos todos absoluta e maravilhosamente diferentes, e cometemos o profundo suicídio de aniquilarmos o nosso ser na pretensão de sermos algo diferente. Mas enquanto não nos conhecermos e aceitarmos... enquanto não nos amarmos... não conseguiremos exprimir com liberdade o nosso ser.
Um arbusto não tenta ser uma árvore, e por isso é feliz. Um mar não tenta ser um oceano, e aí reside a sua felicidade. A lagarta não se transforma em borboleta pelo querer, o rio não chega ao mar por vontade. Tudo existe por uma razão, a razão de ser, com naturalidade. Tudo tem um caminho traçado: o encontro com essa sua razão de ser. Todo o universo se encontra alinhado consigo próprio, excepto o ser humano, que busca algo mais que si próprio, e se afasta dessa razão de ser.
Enquanto não nos encaixarmos no puzzle, enquanto não procurarmos o nosso oceano, não seremos felizes, e só será possível esse regresso a nós próprios quando conhecermos a nossa face original, deixando cair todas as máscaras.