quinta-feira, 3 de janeiro de 2008

Icosaedros humanos

O que é ser verdadeiro? O que é ser genuíno, autêntico?
Se obervarmos o nosso comportamento e o dos outros, reparamos que todos adquirimos diferentes padrões de comportamento, dependendo do contexto em que nos inserimos. Perante pessoas de níveis sociais diferentes, de níveis hierárquicos ou grupos sociais diferentes, de sexos diferentes, etc...
Qual será a origem de tal postura? Será uma necessidade de aceitação e integração? Serão diferentes níveis de interesse nos diferentes ganhos que as pessoas têm para nos oferecer?
Todos nós temos diferentes faces, todos nós temos diferentes posturas perante o que nos rodeia ao longo dos nossos dias. Hoje sou rebelde, amanhã sou melancólico, ontem fui apaixonado... Diferentes estados de humor nos assolam constantemente, diferentes facetas do nosso ser. Isso não me parece de todo errado, temos de aceitar e exprimir todos os sentimentos que vêm do âmago do nosso ser.
A questão coloca-se quando mudamos de atitude com base em factores externos. Quando mudamos a nossa postura, não com base em nós próprios, mas tal qual camaleão que tenta passar despercebido no meio em que se insere. Sim, porque a maioria de nós não passa de camaleões que tentam camuflar-se, sendo iguais aos outros, sendo 'normais' e passando despercebidos. Assim como o camaleão teme ser encontrado pelo predador, nós tememos destacar-nos... por medo de rejeição? Por interesse?
Com tantas pessoas e situações diferentes, não me parece que ser um camaleão seja uma boa opção. O camaleão fá-lo automaticamente e inconscientemente, está na natureza dele. Fá-lo de forma harmoniosa, sem ter de reprimir nada do seu ser. No nosso caso o que se passa é mais um caso de esquizofrenia crónica, de múltipla personalidade com base no medo. Esse medo afasta-nos da integridade, da capacidade de sermos unos, de nos centrarmos em nós próprios e sermos autênticos a cada momento.
Não somos camaleões, somos humanos... ou pelo menos teoricamente. Somos todos absoluta e maravilhosamente diferentes, e cometemos o profundo suicídio de aniquilarmos o nosso ser na pretensão de sermos algo diferente. Mas enquanto não nos conhecermos e aceitarmos... enquanto não nos amarmos... não conseguiremos exprimir com liberdade o nosso ser.
Um arbusto não tenta ser uma árvore, e por isso é feliz. Um mar não tenta ser um oceano, e aí reside a sua felicidade. A lagarta não se transforma em borboleta pelo querer, o rio não chega ao mar por vontade. Tudo existe por uma razão, a razão de ser, com naturalidade. Tudo tem um caminho traçado: o encontro com essa sua razão de ser. Todo o universo se encontra alinhado consigo próprio, excepto o ser humano, que busca algo mais que si próprio, e se afasta dessa razão de ser.
Enquanto não nos encaixarmos no puzzle, enquanto não procurarmos o nosso oceano, não seremos felizes, e só será possível esse regresso a nós próprios quando conhecermos a nossa face original, deixando cair todas as máscaras.

6 comentários:

Uma Estrela disse...

Compreendo o quão falsas estas nossas Máscaras podem ser. São elas que nos separam constante e permanentemente uns dos outros. São elas que causam este sentimento ilusório de solidão, a sensação de que mesmo entre tanta gente, nos encontramos sós. Elas são a cortina que esconde a Verdade, a nossa e a do outro.

No entanto todos as possuímos, umas mais pesadas que outras, umas mais intricadas que outras, umas mais incorporadas que outras. Penso que a questão é: Mas como e porquê começámos a usá-las? Quando e porquê adoptámos este papel de ‘camaleões’?

Da forma como o vejo, e com base na minha experiência pessoal, trata-se de um ciclo vicioso que se pode traduzir por ‘A máscara que uso protege-me da máscara que os outros usam.’ Assim sendo, se todos pensarmos desta forma, naturalmente que ninguém se propõe a deixá-la cair.

Ainda me lembro de quando e porquê comecei a usar a minha. Não de um momento específico mas de uma etapa da vida. A máscara que criei então era necessária, mesmo que eu não compreendesse ao certo porque é que essa necessidade tinha de existir. Contudo, sem ela, o sofrimento provocado pelas máscaras daqueles que me rodeavam era intenso demais para eu o conseguir suportar e continuar a viver. Digamos que a aceitei de forma consciente, contrariando-me a mim mesma, como um modo de sobrevivência.

O problema com estas máscaras é que, mesmo sem o desejarmos, elas crescem, expandem-se e tomam raízes cada vez mais profundas. Usamo-las primeiro porque elas são necessárias e quando damos conta usamo-las também quando elas não são precisas e, antes pelo contrário, nos isolam cada vez mais fechando-nos dentro de nós mesmos. Perdemos a noção do que Somos Nós e do que não somos, e mesmo quando queremos deixá-las de parte já não sabemos como o fazer... e como isso é triste.

Tal como uma cortina pesada máscaras não permitem que os outros nos vejam e, como tal, ficamos sempre com a sensação de que ninguém nos compreende e de que ninguém nos Vê. Se estamos conscientes da existência da nossa máscara e nos dizem que somos amados temos sempre a sensação de que não é a Nós que o outro ama, mas sim a nossa máscara. Por outro lado, se não tivermos cuidado, a máscara impede-nos de ver o Mundo que nos rodeia e de ver o outro para além da sua máscara. Acima de tudo carregá-la todos os dias e a todos os momentos é extremamente cansativo e esgotante. Sim, como seria bom se todos as pudéssemos deixá-las cair ao mesmo tempo...

Houve alturas em que pensei: Como seria bom não ter mais que a usar.
Infelizmente, neste momento penso: Como seria bom saber como, e conseguir, não ter de a usar mais. Reduzirmos a nossa Existência a um ‘camaleão’ entre tantos outros esforçando-se por ser iguais é deveras triste...

Sleeping Buddha disse...

Fiquei tão feliz ao ler este texto...
sinto-me compreendido :)
concordo com tudo
é, sim, muito triste
e é, sim, muito muito esgotante
como podemos ser verdadeiramente felizes ao carregar esse fardo permanente? é impossível...
acho que quando nos apercebemos desta situação, quando tomamos consciência das máscaras que usamos, elas perdem um pouco da sua força sobre nós, e a partir dai pomos em prática um exercício interior diário busca de autenticidade...
mas às vezes sinto que a mudança não é muita... quem me dera conhecer uma fórmula alquímica... :)

Uma Estrela disse...

Sim, a Consciência retira força às Máscaras que usamos mas, por outro lado, passamos a sentir claramente o peso das amarras que nos prendem.
Fórmulas são caminhos fáceis :)

Não me parece que tenhamos a sorte de elas nos serem reveladas assim, se é que elas existem. Fórmulas são coisas constantes. A Vida por seu lado é algo bem inconstante :) Não sei se existira aplicação possível. Por outro lado talvez exista por aí alguma fórmula igualmente inconstante? Medida na mesma linha vibratória que a Vida...? Isso, sim, seria bom e apaziguante :)

No entanto penso que este Espaço, que és tu, é um grande passo no sentido contrário a este remoinho que constantemente nos arrasta para baixo. Aqui sinto que não existem Máscaras e, o facto de que muitos dos que te lêem nestas palavras saberem quem és na realidade, faz com que o conceito ‘Máscara’ quase não se aplique a ti. Admiro isso... para mim, esse passo, aparentemente tão insignificante a olhos mundanos, revela uma Coragem Profunda, Coragem que eu ainda não tenho :)

Sleeping Buddha disse...

obrigado :)
sim, aqui eu revelo-me quase totalmente e quase sem medos...
mas no dia a dia sinto que ainda me encontro muito longe de ser quem sou, e uma das grandes barreiras que levam a isso, é sentir que não somos compreendidos, penso eu...
Duma coisa tenho certeza... conhecer alguem que nos compreenda... alguem que busque, e alguem (relativamente) livre, é um mergulhar nas águas límpidas do oceano da vida, e voltar a sair rejuvenescido :)

Uma Estrela disse...

Sim... sinto e penso o mesmo :) A minha mente procura palavras que não encontra. A vastidão é grande demais e não consigo centrá-la nem condensá-la em letras... :)

Obrigada não chega... nada chega... :) Se em vez de palavras em pintasse um quadro, pintaria uma explosão estelar, pintaria cabelos e penas brancas ao vento, pintaria a vastidão imensa do Mar.

- Estou sempre a censurar a minha linguagem poética porque através dela tudo se torna mais vago, mais dramático, menos concreto e por isso menos perceptível... mas apenas desta vez, e à falta de melhor... :)

Sleeping Buddha disse...

eu achei a linguagem muito perceptivel... :)