quinta-feira, 27 de dezembro de 2007

Sleeping Buddha...

A palavra Buda representa mais do que uma pessoa, representa um estado. Um estado mental, de consciência, espiritual, isso agora cabe a cada um interpretar, dependendo das suas crenças. Siddartha Gautama é o nome do príncipe que abandonou tudo o que possuia por uma busca espiritual, pela busca de si mesmo. Após 6 anos de busca, ao início através da prática de ioga e do ascetismo extremo (prática da renúncia ao prazer, muitas vezes às necessidades mais básicas), e mais tarde através da meditação e do auto-conhecimento, compreendeu a essência das coisas, a origem da infelicidade humana, e ficou iluminado, enquando se encontrava sentado debaixo de uma árvore Bodhi. Após ter atingido este estado superior de consciência, este Buda começou a propagar a meditação, o auto-conhecimento, a compaixão, como forma de escape dos males do mundo, e foi assim que surgiu a 'religião' budista. O budismo expandiu gradualmente, dentro da própria Índia, onde surgiu, e para inúmeros países da Ásia, entre os quais a China, o Tibete, o Japão (onde deu origem à conhecida escola Zen), e a cultura da busca de si próprio, do conhecimento interior, expandiu no Oriente, ao contrário do Ocidente, este sempre vocacionado para a cultura do exterior.
Mas este fenómeno de busca de si próprio não é um fenómeno budista, é um fenómeno potencialmente humano. O estado de nirvana é apenas uma palavra atribuída ao fenómeno que potencialmente está ao alcance de qualquer ser humano. A palavra Buda é apenas a palavra atribuída pelo budistas a alguem que atingiu iluminação, ou o estado de nirvana.
A palavra Buddha vem do sanscrito (língua clássica da Índia antiga, que pode ser equiparada ao Latim) e significa desperto. E desperto porque? Porque digamos que nós, apesar de não estarmos a dormir mais do que as necessárias horas de sono, passamos as restantes horas da nossa vida num estado semi-acordado. Esse estado é caracterizado pelo pensamento compulsivo, pelo condicionamento social, pela automatização das nossas acções, pela distorção da nossa percepção pelo passado, e pela constante busca de algo no futuro.

Pensamento compulsivo porque nunca aprendemos a parar de pensar, e o fio de pensamento prolonga-se desde que acordamos até que nos voltamos a deitar, para então continuar nos sonhos. Não será necessário dizer que esse tipo de pensamento nos distrai do que se passa à nossa volta, e é o grande criador dos nossos pseudo-problemas.

O condicionamento social consiste na formatação por parte da sociedade, que faz com que pensemos e ajamos de forma padronizada e estipulada pelo meio onde nos inserimos. Não pensamos e agimos de acordo connosco, mas de acordo com a sociedade, e portanto não somos livres nos nossos pensamentos e acções.

A automatização das nossas acções é um fenómeno que acontece quando já dominamos satisfatoriamente uma acção, passamos a fazê-la automáticamente, e ao mesmo tempo que a executamos dedicamos uma parte da nossa atenção ao pensamento compulsivo. Isto impede-nos de apreciar a tarefa pela tarefa, e torna difícil a melhoria da execução da tarefa.

A distorção da nossa percepção pelo passado baseia-se no facto de aquilo que vemos, e a forma como compreendemos a realidade, que irá determinar as nossas acções, é extremamente condicionada pelo nosso conhecimento e pelas nossas experiências do passado. O nirvana representa um estado em que a mente está calma, e morre para o passado, concentrando-se totalmente e apenas no presente. Daí dizer-se que o nirvana é um regresso à inocência, em que o nosso olhar se torna puro e inocente como o de uma criança, pois não está condicionado pela memória. Isto possibilita uma verdadeira comunicação e um verdadeiro relacionamento com tudo o que nos rodeia, pois deixamos de olhar através de uma lente distorcida pelo passado, e vemos de uma forma límpida o que nos rodeia.

A busca de algo no futuro consiste no constante pensamento em algo no futuro, algo que receamos ou algo que pretendemos alcançar. O receio de possíveis acontecimentos futuros representa grande parte das nossas preocupações e pseudo-problemas, e se nos focarmos totalmente no presente será concerteza a melhor forma de cultivar um futuro pleno. O anseio por algo no futuro é o maior factor gerador de stress e ansiedade, e coloca-nos numa roda viva de busca de algo exterior para satisfazer o nosso ser. Um dos pontos fundamentais da demanda espiritual é o abandono da busca compulsiva, quando se atinge uma verdadeira compreensão da futilidade da mesma.

E quando, através da meditação e do auto-conhecimento profundo, nos conseguimos focar totalmente no momento presente, sem pensamentos sobre o passado ou o futuro, isso é o nirvana. Quando ultrapassamos todo o tipo de sentimentos que causam divisão entre o presente e o passado ou futuro, isso é o nirvana. Quando conseguimos manter uma mente silenciosa, e sensível a tudo à sua volta, e conseguimos dedicar todo o nosso ser a cada tarefa que nos propomos executar, isso é o nirvana. Quando cada momento é novo para nós, e o abordamos de forma incondicionada... isso é o estado de Buda. E a isso chama-se estar desperto.
O estado de Buda não é nada de sobrenatural, é apenas um estado de atenção total, em que somos nós próprios e totalmente verdadeiros. Esse é um estado que está mais perto de nós do que pensamos. No fundo somos todos Budas... mas o reflexo do nosso espelho parece estar coberto pelo pó do pensamento compulsivo e do condicionamento social, abafando a pureza do nosso ser.
Todos nós somos Budas adormecidos, aprisionados... mas mais grave que tudo, inconscientes, pois não nos apercebemos de que estamos a dormir, e não nos consciencializamos das nossas prisões. No fundo, é tudo uma questão de consciência... quando nos tornamos verdadeiramente conscientes de nós e do que nos limita, a armadura cai e o Buda acorda de um sono que durou anos... e sente pela primeira vez o sabor da vida, o aroma da liberdade.

1 comentário:

Anónimo disse...

Muito bom este texto, tenho de comentá-lo um dia destes. O mundo com toda a sua fadiga inútil insiste em nos afastar daquilo que é realmente importante, mas lá vamos...
Já tinha lido sobre isto, mas fizes-te uma abordagem interesante
Abraço
Côrte