domingo, 24 de junho de 2007

Crítica: o cinzel do crescimento pessoal

Quando a nossa identidade é confrontada com uma crítica, muitas vezes a reacção é defensiva. O nosso "eu" sente-se ameaçado e riposta, encontrando uma explicação racional (ou julgamos nós) para os nossos pensamentos ou comportamentos. No mundo em que vivemos, no nosso ser, tudo se desenrola em função do ego, e tudo tem como propósito defende-lo de ameaças ou fortalecê-lo. O mesmo se aplica ao raciocínio, que para defender o "mestre" ego, usa todas as suas capacidades para manter a coesão do mesmo, originando muitas vezes ideias cegas, ideias fechadas ao crescimento por uma muralha construída com base num espírito não crítico e num ego fundamentalmente inseguro. A crítica abala a coesão do ego, e isto não pode ser permitido do ponto de vista do mesmo. O que o ego não compreende é que a pequena destruição originada pelo abalo crítico precede uma reconstrução que o torna mais forte e mais coeso.
Assim como Sebastião José de Carvalho e Melo transformou o terramoto de 1755 em algo benéfico, na medida em que originou uma cidade mais bonita, e uma baixa pombalina melhor estruturada, muitas vezes o crescimento necessita de uma destruição das ideias pré-estabelecidas, para que se dê a construção de outras mais fortes e coesas.
A aceitação da crítica é um elemento fundamental do desenvolvimento de um ser humano. Toda a crítica retém em si pelo menos uma pequena parte de verdade. Ainda que por vezes subjectiva, essa verdade nunca deixa de o ser, porque vivemos num mundo relativo, em que tudo o que julgamos ser incontestável e representar uma verdade absoluta é, no fundo, subjectivo.
Quando uma ideia vai na sua maior parte contra aquilo que acreditamos ser verdade, é obviamente muito mais fácil rejeitá-la por completo, que colocá-la na mesa cirúrgica mental, e usar o bisturi da consciência para tentar extrair a verdade inerente. Este é o tipo de pensamento que fomenta ideologias extremistas e crenças cegas. Esta não aceitação da crítica leva à rejeitação dessa tal parcela de verdade, e mantém-nos uma passo mais longe da sabedoria e do conhecimento pertinente.
É fundamental ser crítico em relação às críticas. Ser crítico é não aceitar nada como absoluto, não aceitar nenhum ponto de vista como incontestável. É contestar o óbvio imposto pela cultura e pela sociedade, mas é também colocar a hipótese de aquilo que nos parece ser falso poder conter verdade em si, e vice-versa. Para compreendermos esta subjectividade que impregna a vida, é importante conseguirmo-nos colocar sob prismas diferentes de interpretação de uma situação - o vulgar "colocarmo-nos no lugar dos outros"- ou, neste caso, crítica.
Resumindo, devemos ser críticos relativamente à própria crítica, mantendo a abertura, ou seja, não a rejeitando logo à partida, e tentando analisá-la da forma mais objectiva possível. É nesta análise objectiva que entra a capacidade de nos colocarmos sob a perspectiva das outras pessoas, pois fazendo-o conseguimos sair um pouco da nossa própria perspectiva (da nossa esfera pessoal, egocênctrica), e encaramos as situações de um patamar superior, mais objectivo. Se tivermos essa capacidade de "ver como outros veriam", a forma final como encaramos as coisas passa a ser uma soma da nossa própria interpretação com outras, originando uma visão mais vasta, mais aberta e flexível. Se todos fossemos montanhas à volta do vale da vida, este processo equivaleria a algo como conseguirmos subir outras montanhas para daí poder ver o vale, adquirindo um conhecimento mais completo e uma visão mais objectiva do mesmo.
A imaginação ou a visualização criativa, essencialmente parecidas, e que consistem na capacidade de criar imagens mentais, são ferramentas poderosas na adopção de perspectivas que não a nossa. Quanto mais desenvolvidas estas ferramentas se encontrarem, maior a capacidade de elaborar imagens mentais pormenorizadas, mais marcantes e facilmente memorizáveis.
Desenvolver a imaginação ou a visualização criativa leva a uma maior eficácia na adopção de prismas de interpretação diferentes do nosso, pois a construção desses prismas é mais elaborada e melhor estruturada. Estas ferramentas são, portanto, uma ajuda preciosa na aquisição de um conhecimento pertinente, ou seja mais objectivo e real, e o menos centrado no ego possível. Quanto mais perspectivas diferentes foram adoptadas e catalogadas nos nossos arquivos mentais, mais pertinente será o nosso conhecimento, para não falar num grande potencial de fortalecimento da tolerância e da compreensão, que têm também por base a capacidade de nos colocarmos segundo a perspectiva de outros.
Imaginemos um cubo gigante. Em frente a cada face do cubo uma pessoa. Mas o cubo é tão grande que nenhuma das pessoas consegue ver além da face com que se depara. O conhecimento do cubo que cada uma delas possuí é muito erróneo. Quanto mais perspectivas desse mesmo cubo forem adoptadas, melhor a percepção do mesmo e mais pertinente o conhecimento. Suponhamos agora que várias pessoas percepcionam uma situação através de uma lente colorida, em que todas as lentes têm cores diferentes e distorcem um pouco a percepção mas de forma ligeiramente diferente. Uma provoca aumento, uma redução, e por aí adiante. A pessoa que olha através de uma lente não compreende a forma de pensar de outra, e parte do princípio que a outra pessoa está errada e que a sua própria maneira de abordar a situação é que está correcta. No entanto, se essa mesma pessoa conseguir ver o mundo através de outras lentes que não a sua, começa a perceber que tudo é pelo menos um pouco subjectivo. E quando nos apercebemos que o número de lentes diferentes atinge os biliões pelo mundo fora, começa a forjar-se uma tolerância completa e forte.
Tudo isto para dar a entender como a criação de perspectivas diferentes da nossa habitual (através da imaginação e visualização criativa) proporcionam o conhecimento pertinente e também a tolerância.
Após alguma divagação e voltando ao assunto inicial: o desenvolvimento destas capacidades leva a um aperfeiçoamento da construção de diferentes visões e interpretações, e isto relativiza a nossa visão original, altera-a. O seu tamanho e importância mirram quando colocados lado a lado, e cada vez mais em pé de igualdade em relação a outras, originando uma forma mais sábia e flexível de ver e abordar o mundo. Quando a nossa forma de ver as coisas se encontra próximo do absoluto, em territorios egocêntricos, é tanto mais sobrevalorizada por nós quanto mais única for, e à medida que vamos compreendendo outras visões diferentes da nossa, a nossa visão vai se alargando e se fundindo com outras, tornado-se mais vasta e mais completa. Este tipo de abordagem é o mais propício à aceitação da crítica, pois abre caminho à verdade contida noutras formas de ver, neste caso e mais precisamente, noutras formas de nos ver.
Quando desenvolvemos este espírito aberto à crítica, estaremos a abrir as portagens da auto-estrada do desenvolvimento pessoal, esculpindo gradualmente uma personalidade mais forte, e desenvolvendo paralelamente a flexibilidade que nos garante mais crescimento e mais fortalecimento.

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