sábado, 15 de agosto de 2009

Between Angels and Insects

A música é uma arte, uma forma de exprimir o que nos vai na alma. Assim como alguns o fazem através da pintura, da mera utilização de palavras como a poesia, do desenho, e uma infinidade de outras artes, a música pode ser uma forma muito profunda de nos exprimir-mos. Esta forma de arte pode ser aliada a outra forma de arte, que é a literatura, nascendo assim as chamadas canções. Claro que nem tudo o que motiva o surgimento deste tipo de arte mista é artístico, pois há outros interesses envolvidos: há a criação de uma imagem (há conjuntos musicais que se dedicam mais à construção de uma imagem do que outros), há o lucro (especialmente da parte de terceiros, como os representantes dos músicos), há o entretenimento (expressão mais virada para o público). Não tendo nada contra os músicos que trabalham a sua imagem e que são entretainers acima de tudo, aprecio especialmente aqueles que sobem ao palco e entram naquela espécie de transe em que o mundo desaparece, sobrando a sua alma, a sua voz e/ou o seu instrumento.

Essa intersecção de variáveis de definem um artista musical levam muitas vezes a que as pessoas menosprezem um artista, não conseguindo apreciar um determinado nível (como o literário) porque este não as agrada a um outro nível (como o da imagem). Tomemos por exemplo o Pedro Abrunhosa, que na minha opinião é um grande poeta dos nossos dias: o facto de não cantar (facto por ele admitido) impede muitas vezes que as pessoas prestem atenção às suas letras, não conseguindo assim ter uma visão mais abrangente da obra do artista. O mesmo poderá passar-se com o grande crítico social, Gabriel O Pensador. Sem querer tomar o partido de ninguem, quem sabe o Marilyn Manson não terá nas suas músicas mensagens com alguma profundidade? Mas a imagem gera um grande impacto nas pessoas, impedindo muitas vezes que consigamos ir mais longe.

Acho que essa barreira da imagem funciona nos dois sentidos: pode ser uma má imagem inicial que nos impeça de ver a profundidade literária; mas também pode ser uma boa imagem, ou melhor dizendo comercial, que nos impeça de ver outros conteúdos da arte musical. Inúmeras bandas nos chegam incessantemente dos Estados Unidos, cuja imagem e ritmos nos cativam, impedindo-nos de ir além das aparências. No entanto, acho que o factor língua tem aqui um grande peso: o facto de uma canção nos chegar escrita noutra língua dificulta que interpretemos a sua letra, fazendo com que nos voltemos mais para outros factores (como a música, a imagem, etc) - claro que isto varia de pessoa para pessoa. Isto pode ter a ver com o facto de, quando ouvimos uma música na nossa língua, ser quase inevitável acedermos ao significado da sua letra, pois é um processo já automático que exercitamos desde que aprendemos a falar; no entanto, quando ouvimos uma canção em inglês, por exemplo, já é necessária muito mais atenção da nossa parte para acedermos ao significado das palavras, tendo também em conta que a nossa atenção se distribui por outros factores.

Após este pequeno aparte linguístico, voltemos à questão de como alguns factores, como a imagem, podem desviar a nossa atenção de outros conteúdos musicais. Tomemos por exemplo uma banda que, apesar de ter muitos fãs (especialmente jovens), pode perfeitamente ser rotulada como "uma banda de jovens rockeiros, darks e rebeldes, que dizem palavrões e gritam nas músicas". Estou a falar dos Papa Roach, e para terminar vou deixar aqui o exemplo específico duma música de que gosto especialmente, para mostrar algum conteúdo literário crítico, e como nos podemos enganar facilmente (atenção que não estou a generalizar a conclusão à banda no geral, e a todas as suas músicas). A canção chama-se Between Angels and Insects:

Estrofes
I just wanna be heard, loud and clear are my words, comin’ from within man
Tell ‘em what you heard, it's about a revolution
In your heart and in your mind, you can't find the conclusion
Lifestyle and obsession, diamond rings get you nothin’ but a lifelong lesson
And your pocketbook stressin’, you're a slave to the system
Workin jobs that you hate, for that shit you don't need
It's too bad the world is based on greed, step back and see
Stop thinkin’ bout yourself, start thinkin’ bout

Cuz everything is nothing, and emptiness is in everything
This reality is really just a fucked up dream
With the flesh and the blood that you call your soul, flip it inside out
It's a big black hole, take your money burn it up like an asteroid
Possessions, they are never gonna fill the void, take it away
And learn the best lesson, the heart, the soul, the life, the passion

Refrão
There's no money, there's no possession, only obsession, I don't need that shit
Take my money, take my possession, take my obsession, I don't need that shit

Bridge
Money, possession, obsession, present yourself, press your clothes
Comb your hair, clock in, you just can't win, just can't win
And the things you own, own you

Segundo o Jacoby Shaddix (vulgarmente conhecido por Coby Dick): Nestas palavras que "vêm bem lá de dentro", procura revolucionar a confusão que vai dentro de nós, com destaque para aquela que nos leva a seguir estilos de vida orientados para a aquisição de bens materiais, que não nos trazem nada, senão uma lição no final: que esses bens nunca irão preencher o vazio que temos dentro de nós. Tornámo-nos escravos dum sistema, que nos cativa com riqueza exterior, prometendo assim a felicidade. Nesse sistema sujeitámo-nos a trabalhos de que não gostamos verdadeiramente, mas que nos dão o dinheiro para conseguirmos comprar a felicidade de plástico que não nos irá satisfazer nunca. Isto tudo porque faz parte do ser humano a ganância, a ambição, uma fome de ter mais, com as quais o sistema joga para manter as pessoas presas a esses tais empregos, e para que estas perpetuem esse mesmo sistema. Faz-nos crer que precisamos de imensas coisas, para que continuemos a trabalhar como formigas obreiras nas construção da nossa prisão.

Mas se nos afastarmos um pouco e observarmos as coisas com mais clareza: O dinheiro é vazio, não tem valor intrínseco. As posses são vazias e há apenas uma obsessão constante em ter mais, em ter o que os outros têm também, e essa obsessão sim impede-nos de sermos felizes. Todas as coisas não significam nada. O vazio está em tudo, e também dentro de nós. Isto a que chamamos de realidade não passa de um "sonho" (uma interpretação subjectiva), em que tentamos preencher o vazio dentro de nós com essas coisas também vazias (que julgamos possuir, mas acabam por nos possuir), em que cultivamos o nosso exterior como se fosse a nossa alma e tudo o que temos. O culto do exterior e as posses nunca irão tornar-nos felizes, mas poderão fazer-nos aprender a verdadeira lição: a do coração, da alma, da vida, e da paixão.

Obrigado, Coby, pela chamada de atenção, e pelas tuas palavras verdadeiras, que infelizmente esbarram no preconceito das pessoas e perdem o seu efeito.

Sem comentários: