terça-feira, 25 de agosto de 2009

Praga és tu, pá!

Em que consiste uma praga? Uma praga diz respeito ao crescimento desregulado de uma espécie, que desequilibra o ecossistema onde essa espécie se insere. Leva normalmente a um consumo descontrolado dos recursos (como a grande praga da Filoxera, que afectou a Europa no século XIX), afectando também (directa ou indirectamente) as outras espécies que integram o ecossistema. Sabemos que uma praga segue esse tipo de crescimento nada adequado, e que geralmente acaba por surgir uma força reguladora - a humana - que combate esse crescimento, tentando instaurar um novo equilíbrio. Questiono-me, e mesmo depois de alguma pesquisa, continuo sem saber quais as consequências no caso de não haver esse controlo (que no nosso caso, diga-se de passagem, é mais um controlo egoísta para preservar as nossas condições de vida, do que para preservar o equilíbrio de todo o ecossistema terrestre). Mas será necessário pensar muito ou ir muito longe para descobrirmos um exemplo desse tipo de praga que não é controlada?

Encarando o contexto do mundo vivo duma forma mais abrangente, não só no que diz respeito a pragas, podemos encontrar uma grande variedade genética que enriquece a vida no nosso planeta, assim como um leque sem fim de seres vivos. Estes seres adaptam-se ao meio onde se inserem, de forma a poderem extrair dele os recursos necessários à sua sobrevivência e à manutenção da sua existência. Cada espécie animal possui características adaptadas ao local onde habita, de forma a poder sobreviver aos perigos existentes, e a poder extrair o alimento de que necessita para garantir a sua descendência genética. E a nossa espécie não é excepção, ou será? Assim como as plantas desenvolveram raízes (mais ou menos profundas) de forma a extrair os nutrientes do solo, e folhas capazes de transformar a energia luminosa em energia química, também os seres humanos se adaptam ao meio onde se encontram. Iniciamos a nossa viagem como colectores, e fomos evoluíndo rumo ao cultivo e extracção dos alimentos do solo, gradualmente melhorando as técnicas, que se tornam mais e mais eficazes, tendo por background uma evolução do conhecimento científico.

Além da participação nessa demanda por recursos, outra característica dessa grande variedade de seres vivos é que interagem com os outros seres vivos do ecossistema, tentando garantir um território, a sua sobrevivência, ou para deles extrair alimentos necessários à sua dieta natural, estabelecendo-se assim uma cadeia hierárquica. Estes seres inserem-se num sistema complexo e equilibrado, que mantém a sobrevivência das espécies, fornecendo-lhes os recursos necessários, mantendo o número de exemplares de cada espécie num nível aceitável. E assim se atinge um fabuloso equilíbrio entre um sem fim de espécies que interagem entre elas, algo que parece obra resultante de algum tipo de inteligência.

Resumindo, a natureza viva (mas também a não viva, pois esta sustenta a primeira), segue um equilíbrio digno de um óscar da existência, em que os seres vivos retiram do meio os recursos que necessitam duma forma moderada, e interagem com os outros seres vivos do ecossistema duma forma equilibrada. Mas voltando à questão das excepções...

O homo sapiens sapiens: que exemplar extremamente complicado, mais não seja pelos imprescrutáveis meandros da sua mente, e pela não menos complexa forma como interage com o seu grupo. Será que somo de alguma forma uma excepção ao equilíbrio natural?
Como a psicologia explica, nós seres humanos temos uma perspectiva muito subjectiva e enviesada da realidade, sendo que uma das consequências é, entre outras, vermos aquilo que queremos ver, de forma a conseguirmos obter uma visão mais positiva de nós e dos nossos (o que também se aplica a nós como grupo humano). Vemos o mundo duma forma alterada pela nossa identidade, pelas nossas crenças, pela nossa experiência, mas também pela identidade e experiência do grupo. E é extremamente difícil sair deste visão subjectiva e ver as coisas duma forma mais objectiva.

Mas, no que toca à gestão de recursos e de relacionamentos inter-espécies, não me parece assim tão difícil olharmos duma forma global para a história do mundo e do ser humano, olharmos para o nosso comportamento de uma forma geral e para a nossa evolução. Com o passar dos anos, o Homem continuamente expandiu o seu conhecimento, o que levou ao aprimorar de todo o tipo de tecnologias e técnicas. Cada vez sabemos mais, o que nos permite tornarmos cada vez mais eficientes, quer seja na extracção dos recursos do planeta (ao ponto de extraírmos muito mais do que precisamos e serem desperdiçadas grandes quantidades de alimento, por exemplo), quer seja na construção de armas cada vez mais mortíferas, e por aí adiante. Parece-me fazer sentido que o poder económico tenha um papel muito importante neste aumento desregulado, ao apelar à produtividade (pois precisa dela para subsistir e manter o seu lucro), o que leva a situações como a que se verifica no pantanal de Mato Grosso - mais info aqui. Mas esta péssima influência económica não tem vontade própria, sendo que apenas reflecte a ganância inerente ao ser Humano. Essa ganância, essa vontade de ter mais, de saber mais, ou o medo de perder o que se tem e de não se ter os recursos necessários no futuro que se aproxima, são factores que incitam a acumulação. Desta forma, exploramos o ecossistema duma forma não sustentada, nada moderada, e sem ter em consideração a manutenção do equilíbrio entre a complexa rede de seres vivos. Acabamos por destruir paisagens, por extinguir espécies, e a dificuldade de mudança deve-se muito a não conseguirmos muitas vezes prever as consequências futuras dos nossos actos presentes (acerca deste tema e não só, aconselho o livro do psicólogo Daniel Gilbert "Stumbling on happiness", cuja versão portuguesa se chama "Tropeçando na felicidade"). Felizmente e infelizmente chegámos a uma limiar em que é inevitável fechar os olhos, pois as consequências são cada vez mais óbvias, e isto reflecte-se numa mudança (lenta, na minha opinião) de crenças, atitudes e comportamentos. Será que vamos a tempo?
Longe de mim criticar o aprofundar do conhecimento (como amante da ciência que sou), e longe de mim censurar o aprimorar da tecnologia e da técnica. Mas infelizmente, o que o escritor e produtor Stan Lee expressou num dos seus filmes, sob a forma das palavras "Com um grande poder, vem uma grande responsabilidade", não se verifica na prática, e essa responsabilidade é substituída por um grande egocentrismo e inconsciência. Não sabemos usar o conhecimento que adquirimos, e esse é o cerne do problema. Tomemos por exemplo o recurso à produção de alimentos transgénicos. Sem deixar de ter em consideração as vantagens de ter alimentos mais resistentes e adequados às nossas necessidades, que consequências trarão a longo prazo para o nosso ecossistema? Que impacto teram esses alimentos "melhorados" nos seus concorrentes naturais?

Mas a extracção e processamento de recursos e a falta de consideração pelos outros membros vivos do ecossistema não são os únicos problemas do comportamento humano. Entre um infindável número que poderia listar aqui, parece-me importante referir um crescimento extremamente exagerado do número de membros da nossa família humana, o que sem dúvida contribuí para os problemas referidos anteriormente. Culpem a testosterona, culpem a falta de educação, mas o certo é que temos atingido proporções preocupantes. Sem ter a intenção de puxar a brasa à minha sardinha, parece-me que cabe à psicologia e à psicologia social o papel de, após compreender a forma como pensamos, sentimos e agimos, descobrir como emendar alguns dos "bugs" mentais que se verificam, e como melhor sensibilizar e educar as pessoas, passando por uma grande mudança de atitudes.

Tudo isto para resumir uma visão um pouco pessimista do mundo, que não deixa de ser também esperançosa: não sabemos usar o nosso poder com responsabilidade. Não sabemos prever as consequências futuras das nossas acções, e partilhamos pelo menos um dos hobbies dos coelhos. Obviamente que existem outros factores, como a poluição ambiental, que por sua vez está também associada ao crescimento não sustentado. Estes factores referidos levam a uma destruição do ambiente, a uma destruição das outras espécies, que levará em última instância, e caso a consciência e o rumo dos acontecimentos não mudem, à destruição da nossa espécie. Assim como nós seres humano tentamos controlar a progressão de pragas que se reproduzem e consomem recursos de forma desmedida, e ameaçam a nossa estabilidade, também a inteligência da natureza certificar-se-á de controlar esta praga (que naturalmente não consegue encarar-se como tal), de forma a restaurar de novo o equilíbrio natural. Esta é uma visão radical, mas real na sua subjectividade. De qualquer das formas, se não se despertar a consciência para uma necessidade de mudança... bem, o problema é nosso, não é?

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