sábado, 10 de fevereiro de 2007

Meditação

Há várias definições de meditação, e há várias explicações possíveis, dependendo da tradição associada. Nenhuma delas pode ser provada como correcta, e cabe então a cada um escolher aquela em que quer acreditar, que faz mais sentido para si. Para algumas pessoas meditar é apenas sentar-te numa posição confortável e observar a respiração, para a tradição Zen tanto é estar sentado, como depois se completa com a meditação em andamento. E além dessas perspectivas, há muitas outras. Em termos de objectivos, a meditação é, para alguns, uma fuga ao stress e uma forma de se manter saudável, enquanto que para outros é a busca da chamada "iluminação".
A cultura ocidental tem vindo a adoptar a meditação, mas por enquanto, "apenas" visando o seu bem-estar, quer seja físico, mental, ou espiritual. Digo apenas, não porque tal seja pouco importante, mas porque pode ir muito além disso. E isso verifica-se na cultura oriental, em que a meditação representa, na maior parte das vezes, uma busca da "verdadeira identidade".
Mas então, e o que é a Meditação?
Para compreender a meditação, é preciso primeiro compreender que o nosso ser se divide em corpo, mente, e que há algo mais, que poderá ser chamado de alma, ou consciência. O corpo é a parte física, instintiva, e animal. A mente é uma parte imaterial com uma origem física, que é o cérebro. E a consciência é algo que está para além do corpo e da mente, e que na maior parte pessoas se encontra quase adormecida. É algo imaterial, espiritual, sem origens físicas.
Nós podemos controlar o nosso corpo, através do nosso sistema motor, por "ordens" enviadas pelo cérebro. Podemos também usar a nossa mente, através de uma aprendizagem e da prática. Mas não podemos usar nem controlar a nossa conciência. A nossa consciência simplesmente "É", é algo único e imutável.
Desde o dia em que nascemos que o nosso corpo cresce e se desenvolve. Desde o dia em que nascemos, que alimentamos a nossa mente com todo o tipo de informação, de conhecimento. Criam-se os conceitos, os valores, ideologias, memórias, desenvolve-se o raciocínio e a lógica. Mas a consciência permanece imutável.
A nossa consciência é como uma superfície lisa e brilhante, como um espelho. E à medida que vamos vivendo em sociedade e "crescendo", vamos cada vez mais acumulando camadas de pó em cima dessa superfície. Vamos sendo limitados na nossa percepção do que nos rodeia, e pior, na nossa percepção de nós próprios. O nosso comportamento vai sendo moldado, assim como a nossa perspectiva das coisas, segundo as influências da sociedade. Temos de aprender a nos comportar como os outros e ver as coisas como os outros, pois se somos diferentes, somos alvos de discriminação. Uma criança ri de forma genuína, olha as coisas de forma genuína, e comporta-se de forma genuína. Mas os adultos têm de se comportar de acordo com o aceite pela sociedade, com o definido como "normal"...e quanto mais o tempo passa, mais se afastam do seu ser original. As paixoes de infância perdem-se, a alegria e o entusiasmo, a autenticidade e ingenuidade. Grande parte da beleza do nosso ser é coberta com uma espécie de armadura que nos faz esquecer quem realmente somos.
A beleza da meditação é permitir-nos voltar a esse estado de pureza há muito perdida. Meditação é consciência. À medida que meditamos, e quanto mais profundo é o estado de meditação, mais nos livramos do pó que reside na consciência, originário da mente, mais nos livramos de todos os ensinamentos que nos foram transmitidos desde crianças. Claro que, depois de atingirmos o estado mais profundo de meditação, podemos sempre voltar a usar a mente e todo o seu conhecimento quando quisermos, mas apenas como uma ferramenta, mantendo a nossa unicidade.
Quando estamos num estado de meditação, olhamos para qualquer coisa como se fosse a primeira vez, porque como a mente se encontra ausente, não existe memória de alguma vez termos visto o que está à nossa frente. Quando estamos num estado de meditação, tratamos toda a gente de forma igual, não temos ensinamentos que nos permitam diferenciar as pessoas, de acordo com a sua aparência, ideologia, ou qualquer outro critério. Nem será preciso dizer que num estado meditativo não existe preconceito. Vemos as coisas como elas realmente são, daí se dizer que meditação é verdade.
Para conseguir compreender tudo isto, é necessário compreender que para meditar não é necessário estar sentado, deitado, ou em nenhuma posição específica. A meditação é um estado de ausência de mente. um estado em que o que está presente é a consciência. Este estado pode ser atingido, com a prática, em qualquer local ou situação.
A nossa mente está constantemente a trabalhar, quer estejamos a dormir (sonhos), a comer, tomar banho, a andar... raramente pára! Sempre activa e a pensar. E isso torna-nos ausentes, não estamos presentes. Quem nunca reparou em pessoas sentadas na rua a olhar para lado nenhum, absorvidas nos seus pensamentos? Elas não estão a viver o presente, estão ausentes. Passamos grande parte do dia nesse estado ausente. E a meditação é conseguirmos deixar de usar a mente quando não é necessária, deixá-la parar e estar constantemente presentes, onde quer que estejamos.
99% das vezes em que estamos ausentes, vagueamos em memórias ou pensamentos relativos ao futuro, ou seja, raramente vivemos o presente. O passado e o futuro não existem, e no entanto insistimos em tentar vivê-los. Para estar completamente no presente não pode haver pensamento, para que todas as nossas energias se virem para a percepção que temos do exterior, e não sejam gastas nos impulsos eléctricos gerados pelos nossos pensamentos.
Resumindo e concluindo, um estado de verdadeira meditação, é um estado em que apenas utilizamos a nossa mente para fins de raciocínio ou comunicação, tarefas que exijam pensamento e verbalização. Em que, além desse momentos, a nossa mente pára, e toda a nossa atenção está virada para o presente. E finalmente, é um estado em que, não havendo a mente e todas as memórias e os ensinamentos do passado, sentimos que somos a nossa consciência e sentimos quem realmente somos.

3 comentários:

Anónimo disse...

A tua definição de meditação, ou os conceitos a que recorres, referem-se a meditação mais simples, chamemos assim.
A meditação que vai à raiz da nossa existência, é a que reúne tudo o que mencionas, mas que nos permite, após algum desenvolvimento espiritual, e grande capacidade de concentração, conectarmo-nos com o nosso Eu superior, a outra parte de nós, a mais desenvolvida faceta da nossa essência. No entanto, requer alguma insistência até que se consiga atingir a fase da conexão...não é praticada na rua, a qualquer hora do dia, da noite.
Não está enraizada na nossa cultura, não de um modo aberto, mas anonimamente cativa muitos. Permite-nos uma serenidade, uma paz interior, uma capacidade de melhorarmos as nossas atitudes, de agir de forma inteligente, seguindo o nosso EU!

Anónimo disse...

a meditação é sem dúvida um exercicio supremo.
No entanto, os conceitos que referes, descrevem a meditação, digamos que a um nível mais simples.
A verdade é que dita a moda, que o equilibrio corpo e alma é fundamental, talvez por isso banalizam-se alguns conceitos.
A meditação que requer, um desenvolvimento espiritual e um grau elevado de concentração, é aquela que nos permite conectar com o nosso Eu superior, ou seja, a outra parte de nós que é superior, de facto. É a parte que sabe quem somos e o que temos de fazer.
Até atingirmos a etapa da conexão, é preciso uma limpeza espiritual, um desprendimento e muito trabalho de concentração.
Os resultados merecem o esforço, a serenidade alcançada, a paz interior, tornam-nos pessoas melhores e mais conscientes!

Sleeping Buddha disse...

O que tentei foi reunir os aspectos comuns a várias definições de meditação, o que inevitavelmente deu uma definição simples...pois o aprofundamento em qualquer direcção elimina logo algum tipo de meditação...
:)
Mas já agora, não defendo que devemos utilizar a concentração, mas sim a observação...
O segredo é testemunhar...simplesmente estar presente, com total ausência de pensamento ;)
E quando se atinge esse estado profundo de consciência, o samadhi, testemunhamos a nossa consciência e estamos ligados ao nosso guia interior, dizem... :P